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Na Índia, João conviveu com os Sadhus, os santos que andam nus e “passam o dia a fumar ganza”

O viajante participou no Mana Kumbh Melah, uma das mais significativas peregrinações do hinduísmo. O próximo encontro só acontece daqui a 144 anos.
Uma experiência única.

Parece um número absurdo, mas 670 milhões de pessoas é mesmo a quantidade de fiéis (e turistas) que se reuniram em Prayagraj, na Índia, entre 13 de janeiro e 26 de fevereiro. O motivo estava relacionado com o Mana Kumbh Melah, o maior encontro humano do planeta e uma das mais significativas peregrinações do hinduísmo. É, também, uma experiência única na vida, já que o próximo só acontecerá daqui a 144 anos — e o viajante João Amorim, conhecido nas redes sociais pelo blogue e página de viagens Follow the Sun, não quis desperdiçar a oportunidade.

À NiT, o criador de conteúdos, de 32 anos, confessa que já há algum tempo que andava a considerar juntar-se ao “maior ajuntamento da história da humanidade” e conviver com os Sadhus, os homens considerados santos e símbolos de sabedoria, que renunciaram à vida mundana em busca da iluminação espiritual. 

“Há uns anos, quando estava a viajar pelo Sri Lanka, conheci um casal português que tinha vindo da Índia, do Kumbh Mela, que é uma versão mais pequena que acontece de seis em seis anos. Contaram-me histórias tão surreais que não acreditei. Eles conheceram um desses Sadhus e ficaram com o contacto dele”, revela.

A vontade de fazer parte do maior encontro humano do mundo nasceu nesse momento, mas nunca fez grandes planos porque “não tinha vontade de ir sozinho”. Até que, por coincidência do destino, encontrou um amigo que “já foi mais de 100 vezes à Índia” e desafiou-o a ir com ele. Um mês depois, estavam a caminho de Varanasi, uma das cidades mais antigas do mundo e a porta de entrada para o Mana Kumbh Melah. 

Assim que chegou à cidade, a 16 de fevereiro, é que percebeu realmente a dimensão desta celebração pacífica, classificada como Património Cultural Imaterial da Humanidade desde 2017. No entanto, nem tudo correu bem, já que houve pessoas feridas e algumas desaparecidas. “Sei que morreram pessoas esmagadas na estação de comboio. São todos tão devotos àquilo, querem entrar no transporte, mas de repente estás no meio da multidão e não consegues sair”, conta o viajante.

João também deveria ter apanhado um comboio, mas depois de ver as centenas de pessoas à espera e o atraso de mais de oito horas, mudou de planos. Para chegar ao local, apanhou táxis, tuk-tuks e motas. A confusão estava por todo o lado, apesar de ter chegado já na reta final das cerimónias.

Ao longo do Mana Kumbh Melah há cinco momentos principais, que se caracterizam pelo desfile dos Sadhus, que andam nus e pintados com cinzas, até ao rio Ganges, considerado um dos sítios mais sagrados do mundo. Segundo a crença, mergulhar nessas águas sagradas purifica os pecados e oferece salvação.

“O último banho foi a 26 de fevereiro, mas nesse dia já havia poucos Sadhus, porque coincidia com o Dia de Shiva, um dos principais deuses do budismo, e queriam estar em Varanasi para visitar o templo”, explica. Ainda assim, João Amorim teve a oportunidade de passar dois dias em Prayagraj, o local do festival, onde apanhou “multidões absurdas”.

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Incrível mas assustador. Os próximos dias prometem

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Quando chegou, já de noite, o “cenário foi meio assustador”, mas acreditou ser normal por ser o final do dia. No manhã seguinte, decidiu acordar às cinco da madrugada para assistir ao nascer do sol com calma, mas não foi bem o que aconteceu. “Estava ainda mais gente. Foi nessa altura que me perguntei onde é que me tinha vindo meter. Não dava para passar na rua, foi assustador, mas depois uma pessoa vai-se habituando”, confessa.

A pior parte era quando a multidão, de repente, apertava de tal forma que mal se conseguia mexer. “Às vezes a culpa é da própria polícia, que decide fechar uma ponte, sem aviso, e todas as pessoas têm que seguir por outro caminho, mais longo, e sem nos conseguirmos mexer”, recorda o viajante. Foi isso que aconteceu quando estava a ir em direção ao rio. O caminho de três quilómetros passou para quase 10 e demorou uma eternidade até lá chegar.

Mesmo nos dias em que não há desfiles, os milhares de fiéis mergulham na confluência dos rios sagrados (Ganges, Yamuna e Saraswati), como forma de purificação. “O rio não cheira mal, mas tem muita sujidade, vê-se muito lixo. Mas eles olham para ele como sagrado, reconhecem o poder daquelas águas”, diz.

Nesses dois dias em Prayagraj teve oportunidade de conhecer e entrevistar os Sadhus, com a ajuda de um indiano que o ajudou nas traduções.Foram tomar banho no rio sagrado, deixaram-nos super à vontade e convidaram-nos para passar os dias seguintes com eles em Varanasi”, conta. 

A partir daí, fizeram-se acompanhar por estes homens renunciantes, como se caracterizam, que abandonaram tudo (a família, os bens materiais e até o sexo) para se entregarem à vida espiritual. “Deixaram para trás a vida comum para viverem em templos, na natureza ou na rua, sozinhos ou em comunidades espalhadas por toda a Índia” explica João.

Os Sadhus são considerados santos porque se acredita que têm um papel fundamental em manter Shiva, o deus da destruição, em equilíbrio, impedindo que destrua o mundo. Além disso, vivem de donativos de pessoas comuns, dedicam-se a meditar e muitas vezes realizam atos físicos e mentais extremos.

João, por exemplo, conheceu um Sadhu que tem o braço direito levantado há mais de 40 anos, tanto tempo que houve calcificação. Outro, anda com mais de 45 quilos em cima da cabeça, enquanto um terceiro tem uma espada enrolada ao órgão sexual masculino. 

Depois, há os Naghas Sadhus, que “andam nus e cobrem-se com cinzas para se protegerem porque acreditam que têm elementos purificadores”. Estes deixam crescer o cabelo em rastas gigantes para “aumentar a vitalidade e tranquilidade” e “passam o dia a fumar ganza porque acreditam que os ajuda na caminhada espiritual”.

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O criador de conteúdos confessa que “foi difícil fazer o jogo de não julgar e não achar que são só uns homens a fumar umas ganzas e a curtir a vida”. O tempo que passou com eles fê-lo, no entanto, perceber que são, acima de tudo, “figuras muito paternais”.

“Há pessoas que se aproveitam deste estatuto só para fumar e receber dinheiro, mas aqueles com quem convivemos eram super carinhosos, abençoavam as pessoas que passavam por eles e até chegaram a dar dinheiro a pedintes”, revela. Os dias foram passados a conhecer a sua história, o que os motivou a abdicar de tudo para seguir um caminho que foge ao dito normal.

“Muitos deles não se encaixavam na sociedade, consideravam-se outsiders e optam por uma vida de castidade. Um dos que estava connosco era Sadhu desde os 14 anos, por exemplo”, diz.

Para João, um dos momentos mais especiais em Varanasi foi o Dia de Shiva quando, às seis da manhã, os Sadhus arrancaram a correr até ao templo do deus da destruição e, depois, se banharam com vários líquidos considerados sagrados, como a água do rio Ganges ou leite.

“Foi uma experiência diferente de tudo o que já vivi, uma dualidade de sentimentos intensa”, confessa. Todos estes momentos e interações foram filmados e em breve darão origem a um documentário da agência de viagens Landescape.

Carregue na galeria para ver algumas imagens da viagem de João Amorim.

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