O som grave dos sinos ecoa pelas ruas estreias, enquanto figuras misteriosas, vestidas de negro e cobertas por pesadas peles, caminham. Os Mamuthones, personagens com máscaras de madeira esculpidas com expressões enigmáticas, seguem em silêncio, apenas interrompidos pelos Issohadores, figuras que lançam os seus laços para capturar os mais distraídos. Não é um simples desfile, mas sim um ritual ancestral. Assim é o Carnaval da Sardenha, que este ano decorre entre 1 e 6 de março. É, para muitos, um dos mais fascinantes e assustadores do Mediterrâneo, onde cada máscara tem séculos de história.
Na ilha italiana, esta data combina rituais ancestrais a celebrações cheias de cor. Em 2025, tal como já é habitual, será celebrado em várias localidades — e o destaque vai, claro, para os eventos emblemáticos como o Carnaval da vila de Mamoiada e a Sartiglia de Oristano, uma corrida de cavalos.
Muitas destas festas remontam a tradições pagãs e estão intimamente ligadas aos rituais agrários e pastorais que marcavam a transição entre o inverno e a primavera. Tradicionalmente, eram momentos de renovação e de esperança e as comunidades reuniam-se anualmente para afastarem os maus espíritos e garantirem colheitas abundantes.
Em Mamoiada, uma pequena vila no coração da Sardenha, a época é marcada pelo enigmático desfile dos Mamuthones e Issohadores. Os primeiros vestem-se com peles de ovelha escuras e máscaras de madeira negras enquanto carregam nas costas pesados sinos que ressoam a cada passo.
A caminhada, lenta e solene, contrasta com a agilidade dos Issohadores, figuras vestidas de branco e vermelho que lançam laços para capturar os membros do público — um gesto que representa proteção e boa sorte. Esta tradição tem raízes antigas e acredita-se que tenha origens nuráguicas, sendo uma manifestação da fertilidade e do domínio dos pastores sobre os seus rebanhos.
Outro ponto alto das celebrações na ilha é a Sartiglia de Oristano, um torneio equestre medieval que ocorre no domingo e na terça-feira de Carnaval. Cavaleiros mascarados, conhecidos como Su Componidori, desafiam-se numa prova de destreza em que tentam espetar a espada numa pequena estrela pendurada no percurso.
O sucesso dos cavaleiros é visto como um presságio para a prosperidade do ano que se inicia. Este espetáculo também é acompanhado por acrobacias a cavalo, protagonizadas por grupos de cavaleiros que treinam durante meses apenas para aquela data.
Na região, o Carnaval é celebrado noutras localidades, cada uma com as suas próprias tradições. Em Ottana, os protagonistas passam a ser os Boes e Merdules. Trata-se de figuras mascaradas que representam, respetivamente, bois e pastores. Durante o desfile, recriam uma luta entre homem e natureza.
Já em Ovodda, a festa atinge o auge na Quarta-Feira de Cinzas, quando os participantes, cobertos de sujidade e vestidos de forma assustadora, percorrem as ruas em desordem. Em Tempio Pausania, o Carnaval assume um tom mais satírico, com o desfile de carros alegóricos e a encenação do julgamento e execução do Rei Giorgio, uma figura simbólica que representa todos os males do ano anterior.
Pela ilha, há várias atividades ao longo dos dias, como espetáculos de música e dança tradicional, encenações teatrais e banquetes comunitários, onde reinam as especialidades locais, como os doces fritos típicos desta época. “Estas tradições não são apenas espetáculos para turistas, mas uma expressão autêntica da nossa cultura, transmitida de geração em geração”, explica Alessandra Todde, a presidente da região, ao jornal “L’Unione Sarda”.
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