Nos últimos meses, o português Nuno Gomes viveu uma aventura “tão louca como desafiante”. Há duas décadas que anda pelas montanhas, mas nunca tinha feito um périplo semelhante.
Com 15 quilos às costas, o lisboeta de 52 anos fez a travessia integral dos Alpes: percorreu 1.700 quilómetros e atravessou os oito países que compõem a cordilheira.
De regresso a casa, conta à NiT como viveu 80 dias a caminhar e a dormir em tendas. O mais desafiante, contudo, não foi o esforço físico. Nunca mais irá esquecer a solidão que sentiu — foram muitos dias e noites sem ver uma única alma.
Nuno formou-se em arquitetura, foi professor de ensino básico e secundário e, atualmente, é consultor imobiliário e guia da Life Outsite, uma agência de viagens de aventura. A paixão pelas montanhas surgiu há mais de 20 anos.
Em 2000, influenciado por uma amiga, fez um curso de escalada. “Não conhecia nada do meio. Fiz escalada uns anos, depois aventurei-me pelo alpinismo e montanhismo. Nunca mais deixei de praticar”, recorda.
Contudo, nunca se atreveu a fazê-lo sozinho por ser “um risco muito grande”. Quando fez a travessia dos Pirinéus (820 quilómetros em 47 dias), há nove anos, foi acompanhado por uma pessoa. A viagem — que começou em Higuer, no Atlântico, e terminou em Creus, no Mediterrâneo —, correu tão bem que Nuno ficou com o “bichinho” de voltar a fazer um périplo semelhante.
“Há cerca de dois anos, voltei a lembrar-me dessa aventura e pensei: porque não fazer algo mais arrojado, com mais quilómetros, mais montanha e mais tempo?”. Equacionou várias hipóteses, e a decisão pareceu-lhe óbvia: ia percorrer a maior cordilheira da Europa. Começou, então, a preparar “tudo com calma”, a planear trajetos e alternativas, e a juntar todo o material necessário para arrancar em maio 2023.
Conseguiu arranjar tudo, menos companhia — afinal, não é fácil encontrar alguém com disponibilidade para embarcar numa aventura de quase três meses. Mas nem isso o impediu de seguir caminho. “Ainda ponderei muito, mas tomei a decisão de avançar. Não sabia que ia ser tão difícil gerir, emocionalmente, o facto de estar sozinho em montanha”, confessa.
A 25 de mai apanhou um avião para Trieste, em Itália, onde deu início à aventura nos Alpes, passando pela Eslovénia, Áustria, Alemanha, Liechtenstein, Suíça, França e Mónaco. O objetivo seria regressar a 10 de setembro, mas a travessia correu muito melhor do que esperado e, a 13 de agosto, já estava de volta a casa. Na mochila, levou apenas o essencial: a tenda e um saco-cama (o mais leve possível), comida e gás para cozinhar; e apenas dois quilos de roupa e produtos higiene pessoal.
Em média, caminhava 21,3 quilómetros diariamente, e nalguns dias bateu mesmo os próprios recordes. A 10 de junho, por exemplo, percorreu 38 quilómetros. Foram 11 horas a andar desde Egger Alm a Zolinersee Hütte (na Aústria). A partir daí, percebeu que conseguiria aguentar eventuais dificuldades que surgissem — e deixou de ter medo.
“Fisicamente, correu muito melhor do que estava à espera, cheguei um mês antes do previsto. O mais difícil foi mesmo o lado mental, passar dias e dias sozinho, noites sem ver ninguém. Nunca tinha estado nessa situação e foi o que mexeu mais comigo”, revela. Jamais esquecerá os dois dias e meio em que esteve completamente isolado e sem rede de telemóvel.
Raramente se cruzava com outras pessoas, até porque optava por caminhos pouco frequentados e nada turísticos. Um deles, inclusive, já nem devia existir. “Vi no telemóvel um determinado percurso que, supostamente, seria mais curto e poderia ganhar algum tempo. Não imaginava onde me ia meter. O piso era muito difícil devido às derrocadas do ano anterior”, recorda.
O troço foi dos mais exigentes da odisseia: a descida de quase dois quilómetros “só tinha pedras soltas”, explica. “Quando cheguei ao refúgio, em conversa com os responsáveis, disseram-se que nem sabiam que era possível fazer aquele caminho.”
Olhando para trás, Nuno reconhece que não foi uma travessia fácil e até houve uma altura em que pensava desistir “praticamente todos os dias”, principalmente nos momentos em que se sentia mais sozinho. “Quando estava na preparação da viagem, por questões de segurança, fiz um plano com sítios onde poderia apanhar um autocarro para me ir embora. Costumo dizer que só não desisti porque sabia que podia fazê-lo”, sublinha.
Além disso, ia criando “pequenos objetivos”. As subidas muito longas, “eram feitas aos bocadinhos” para ser mais fácil chegar ao fim. “Eram pequenas conquistas que me faziam continuar. Não pensava no que vinha mais adiante”, explica.
Aos poucos, os dias foram passando e, quando deu por isso, já conseguia avistar o Mediterrâneo ao longe. No dia 12 de agosto, por volta do meio-dia, chegou ao Mónaco, o último país desta odisseia pelos Alpes, que Nuno foi partilhando no Instagram.
A seguir, carregue na galeria para ver alguns dos momentos da travessia.