Viagens

O casal português que levou as filhas de 3 anos de caravana até ao Ártico

Já encontraram uma manada de búfalos, conheceram povos indígenas e percorreram estradas de terra batida cheias de buracos.
Sonho cumprido.

No dia em que Miguel e Rossana Damásio chegaram ao Ártico de autocaravana, com as filhas gémeas de três anos, todos ficaram surpreendidos. Afinal, é preciso alguma coragem para percorrer os longos caminhos de terra batida, cheios de pedras e buracos — em qualquer outro veículo que não seja um jipe.

A família pertence à curta lista de aventureiros que percorreram os 737 quilómetros da Dempster Highway, no Canadá, de autocaravana — e só tiveram um pneu furado pelo meio. Agora, contam à NiT como foi viver esta aventura, tão desafiante quanto emocionante, e recordam os momentos em que se cruzaram com ursos, veados, cabras e búfalos, até chegarem ao Polo Norte. 

Ainda antes de serem pais, os enfermeiros tinham o sonho de darem a volta ao mundo de bicicleta. Decidiram emigrar para a Alemanha, em 2018, para conseguirem poupar dinheiro suficiente para a aventura de uma vida. Com a pandemia e o nascimento das gémeas, Leonor e Beatriz, em setembro de 2019, o plano foi suspenso — e tive de ser ligeiramente alterado. 

“Trabalhámos os dois nos cuidados intensivos do hospital de Munique, na altura da Covid-19, e, a juntar a tudo isso, não tínhamos ajuda de ninguém para cuidar das gémeas. Tudo acontecer ao mesmo tempo, e fomos muito abaixo”, confessa o casal, Miguel e Rossana, de 38 e 37 anos, respetivamente. Foram anos complicados, de exaustão física e psicológica. Em abril decidiram que estava na altura de regressarem a Portugal. Não foi preciso muito tempo para perceberam que, afinal, ainda não estavam preparados para voltar à rotina diária. 

“Repensámos o nosso sonho e percebemos que não era uma má ideia se o fizéssemos com as gémeas, mas não com a bicicleta. Então começámos a adaptar a rota que tínhamos feito antes”, recordam. Assim, substituíram os veículos de duas rodas por um de maior dimensões: uma autocaravana de 2011 que compraram por 12 mil euros quando ainda moravam na Alemanha. Encontraram-na abandonada num stand, completamente partida e a precisar de muitos alterações, mas avançaram com o negócio. Deram-lhe o nome de Vina, em homenagem à madrinha de Rossana, e tem sido a casa sobre rodas da família nos últimos meses.

Com o veículo já preparado para arrancar, só precisaram “vender todo o recheio do apartamento”, colocar a casa a arrendar e fazer uma pausa no trabalho. A 1 de junho, estavam prontos para viajar pelo mundo de autocaravana e começaram pela América, que tencionam percorrer do Ártico à Patagónia. “Até ao dia da partida, ninguém acreditava que íamos fazer isto. Mas precisávamos mesmo de o fazer, é uma viagem pela sanidade mental”.

A aventura até ao Ártico

Ainda antes de partirem rumo ao continente americano, deixaram a Vina em Hamburgo, de onde partiu de barco para Halifax, no Canadá, viagem que demorou 15 dias. Quando voltaram a encontrá-la, seguiram logo em direção ao Ártico, para concretizar “um sonho muito antigo”.

Nos primeiros dias visitaram a cidade de Québec, a região dos grandes lagos, e Calgary, até entrarem na Alaska Highway, a estrada com mais de dois mil quilómetros, construída durante a Segunda Guerra Mundial, que liga os EUA ao Alasca, através do Canadá.

A rota é famosa sobretudo pelas paisagens incríveis e pela vida selvagem que se encontra durante o percurso. “Chegamos a um ponto em que vimos tantos ursos que até perdemos a conta. Também vimos coiotes, veados, as cabras da montanha e uma manada com mais de 100 búfalos. Estavam tão perto de nós que quase podíamos tocar neles”, recorda a família. 

Quando se entra em parques nacionais com tanta vida selvagem, é comum receberem uns folhetos com algumas regras de segurança. Neste caso, por exemplo, tinham de estar a cerca de “cinco autocarros” de distância dos ursos e aconselharam a usar spray e pimenta, caso seja necessário. 

Um dos momentos mais assustadores foi mesmo quando encontraram a manada de búfalos, que atravessava a estrada. “Vimos um bisonte gigante, quase do tamanho da autocaravana, a aproximar-se do capô, com um ar ameaçador. Como tinha muitas crias, estava só a ver se éramos uma ameaça ou não. Na altura tínhamos as janelas abertas e ficamos em silêncio, sem nos mexermos”, contam. 

Após percorrerem os quase mil quilómetros da Alaska Highway, decidiram enveredar por um caminho muito mais desafiante: a Dempster Highway, que levou a família até Tuktoyaktuk, uma vila canadiana, com apenas 870 habitantes, situada a norte do Oceano Ártico. Andámos três dias numa estrada de terra batida, “uma autêntica aventura” que ficará para a história. 

Devido às más condições do piso, só conseguiam andar a 30 quilómetros por hora. Se tivessem o azar de ter uma avaria no carro, não tinham muito apoio. “Ficámos com os pneus carecas de fazer a highway e tivemos de os trocar à cidade mais próxima. O senhor contou-nos que troca mais de 200 pneus por mês.” Não viram muitos animais, mas, em contrapartida, passaram por “paisagens cobertas de neve” e centenas de vilas 100 por cento indígenas, que não estavam habituadas a receber turistas, até chegaram à placa que dizia Oceano Ártico. “Saímos todos para festejar, foi um momento de realização”, confessam.

Passaram um dia inteiro no Pólo Norte e a primeira coisa que fizeram foi dar o tão esperado mergulho no Ártico sob o sol da meia-noite. Depois, andaram pelas ruas a falar com a população indígena. “Não são pessoas muito abertas, talvez por estarem isolados, mas depois dão-se a conhecer. Todos têm uma tenda no quintal, é muito giro”, contam.

Como não é possível fazer campismo selvagem em Tuktoyaktuk, dormiram no único acampamento da vila, “colado ao oceano”, que custou cerca de 90 dólares (82 euros). À noite, fizeram um fire pit para se aquecerem — a temperatura desceu para os três graus (durante o dia, estavam cerca de seis).

Já realizaram um dos sonhos, mas ainda têm um logo caminho a percorrer até completarem a Panamericana, a estrada que liga todos os países do continente americano. Depois do Ártico, ainda viram os famosos fiordes do Alasca (e dormiram mesmo ao lado de um glaciar), conheceram vários parques nacionais dos EUA, foram ao Grand Canyon e chegaram ao México, onde se encontram atualmente. O objetivo é chegar até à terra do fogo (Ushuaia) na Patagónia, mas não há pressas. Calcular demorar cerca de ano e meio a concluírem esta primeira parte da volta ao mundo e, depois, gostavam de embarcar para Singapura e percorrer todo o continente asiático. Quanto aos custos da viagem, tentam não gastar mais de 900€ por mês.

Pode acompanhar todas as aventuras da família através das redes sociais. A seguir, carregue na galeria para ver algumas fotografias desta aventura pela América. 

 

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