Como em muitas relações, a história de Bernardo Filipe, de 31 anos, e Valéria Pereira, de 32, não começou da melhor maneira. No verão de 2017 trabalhavam ambos numa multinacional sueca. Ela era assistente de vendas, e ele era o chefe de departamento. “Ela achava-me bastante arrogante”, conta Bernardo Filipe à NiT. Valéria parece concordar, e recorda que “ao início foi difícil”, graças à hierarquia estabelecida na empresa.
Continuaram a trabalhar juntos, mas foi em 2019 que perceberam que as picardias que tinham podiam significar algo mais. Bernardo iniciou funções no departamento de contabilidade da marca, deixando de ter uma proximidade laboral tão grande com Valéria. Foi graças a isto que a relação “começou a tomar outros caminhos”. As coisas foram evoluindo e, em fevereiro de 2020, decidiram ser oficialmente um casal, após uma viagem pelo leste da Europa que se caracterizou pelas incertezas e ansiedades que a pandemia trouxe.
Para eles, a Covid-19 acabou por ser um mal que trouxe algumas vantagens. Passaram os confinamentos juntos, e souberam que, ao sobreviverem, “estariam prontos para estarem um com o outro para o resto da vida”. “Não conhecemos muitos casais que tenham tido um período tão largo de tempo a viver juntos durante 24 horas sobre 24 horas”, realçam.
Em abril do mesmo ano arranjaram um apartamento em Lisboa. Com as lojas fechadas, Valéria estava sem emprego, mas Bernardo continuava a trabalhar remotamente. No entanto, deixou de se sentir realizado por aquilo que fazia diariamente. Perceberam que estavam a entrar numa fase diferente das suas vidas, e juntos queriam algo ainda mais sério.
Um ano depois, a 31 de agosto de 2021, estavam de férias em Florença, em Itália. Para Valéria, era apenas mais um dia normal em viagem, mas o namorado tinha outros planos. Estavam a almoçar num restaurante típico da cidade — tinham acabado de pedir duas pizzas e estavam à espera que chegassem à mesa. “O Bernardo perguntou à funcionária se nos podia filmar, o que achei estranho porque normalmente pediria para tirar uma fotografia.” Ajoelhou-se e pediu-a em casamento, e claro que a resposta foi “sim”. “A senhora não filmou nada de jeito”, brinca Valéria. O restaurante estava vazio, mas um grupo de pessoas que ia a passar viu aquele momento e aplaudiu, dando também os parabéns aos noivos.
Foi cerca de um ano depois, a 11 de setembro de 2022, que tiveram a cerimónia. Começou ali a maior aventura das suas vidas. “Decidimos deixar tudo, comprar um bilhete só de ida e ir viajar”, contam. Desde outubro do ano anterior que andavam a planear a viagem e, juntos, criaram um roteiro pela Ásia, avaliando os custos de vida nos diferentes destinos e os alojamentos onde iriam pernoitar. Quando contavam os planos aos amigos, eles não acreditavam. Já a família mostrou diferentes preocupações. “O principal medo que tinham era que nos acontecesse alguma coisa ou que precisássemos de cuidados médicos.” Mas lá acabaram por aceitar.
Partiram para o Vietname a 4 de outubro de 2022. “Já estava decidido há muito tempo. A nossa ideia era nunca andar para trás no globo, e viajar sempre entre os países com o mínimo de bilhetes de avião possível. Queremos poder cruzar as fronteiras com transportes públicos”, explicam. Cerca de um mês depois de terem chegado, depararam-se com uma situação que mudou a forma como veem não só as viagens, mas o próprio mundo.
“Estávamos numa cidade chamada Hue, que é banhada por um rio. Fizemos uma colaboração com um resort que ficava ao largo deste mesmo rio e, por erro nosso, não vimos a meteorologia. Fomos apanhados desprevenidos no meio de uma tempestade tropical”, apontam. Foram 35 horas seguidas em que a chuva não deu o braço a torcer. O nível da água começou a subir e o resort e a própria cidade acabaram por ficar inundados. Foram evacuados para um bungalow mais afastado e, como o perigo continuava, viram-se forçados a procurar abrigo no pequeno lobby do resort. Acabaram por ser resgatados numa lancha de madeira. Passaram por casas inundadas e, no jardim, os locais faziam-lhes sinais que davam a entender que tudo ficaria bem, sempre com um sorriso estampado na cara.
“Começámos a desvalorizar coisas que antes valorizávamos mais, e a partir daí demos valor a cada momento que tínhamos. Foi muito traumático, e durante esses dias acabámos por mudar o roteiro da costa do Vietname para o interior.” Uns dias depois partiram para o Camboja onde, embora não chovesse torrencialmente, fazia frio.
Depois de umas semanas por ali, viajaram para a Tailândia, que se tornou imediatamente num dos melhores destinos da viagem. “Passámos lá dois meses e ficámos em zonas de praias e ilhas. Foi sem dúvida o sítio de que mais gostámos”, revelam. Fez sol quase todos os dias, “o que tornou as coisas mais bonitas”, e puderam conhecer melhor os habitantes. “Os tailandeses são boas pessoas, também pelo facto de serem, na sua maioria, budistas. Sabem receber e têm sempre um sorriso. Também é importante a forma como abordam os estrangeiros, tentam sempre passar a sua religião, para que a possamos conhecer”, elogiam.
Seguiu-se a Malásia e, atualmente, estão na Indonésia. Conhecer este último país é quase sempre sinónimo de passar por Bali, e o casal não queria fugir à regra. “Roubou-nos o coração. Sentimo-nos logo muito bem recebidos e estamos apaixonados pelo espírito livre dos balineses.” A religião predominantemente hindu é algo que também os atraiu, e a hospitalidade que sentiram na Tailândia mantém-se. “Os artefactos que ambos os países usam, a forma de comunicar e até algumas rezas a que acabámos por assistir tornam tudo mais intenso. O nosso objetivo não era vir pôr bandeirinhas em sítios turísticos ou tirar fotos giras”, realçam.
Claro que também o fazem, especialmente para alimentarem a página de Instagram onde contam com cerca de 13 mil seguidores. No entanto, o que querem mesmo é criar conexões com as pessoas — e estão a conseguir. Um dos momentos mais marcantes ocorreu na Indonésia. Estiveram duas semanas em Bali e, nos últimos dias, estavam num transfer com um habitante que lhes deu boleia numa viagem que durou três horas. Durante o caminho, tentaram-se afastar da conversa de circunstância. Foram recebidos com sorrisos por toda a gente, mas queriam saber se esses eram mesmo genuínos. Conversaram sobre cultura e religião. “Queríamos saber mais sobre o hinduísmo”, explicam. E acrescentam: “O senhor ficou curioso com as afirmações e perguntas que fazíamos, e disse-nos: ‘nós não somos turistas, mas sim viajantes'”.
Aquela frase, embora simples, deixou-os a pensar. “O turista passa férias e tenta fazer a sua própria vida num local diferente. Os viajantes vivem a cultura, a religião e os hábitos dos países.” No final do dia, sendo eles viajantes, acabam por voltar para Portugal com muitas mais histórias para contar, e trazem consigo um pouco de cada destino, seja a nível de hábitos, rotinas ou mesmo de religião. “Vamos voltar pessoas diferentes. Aliás, já somos pessoas diferentes”, confessam.
Além de mergulharem nos costumes e vivências de cada território, o casal trabalha diariamente. Já criaram diferentes parcerias com vários resorts e hotéis, que lhes dão estadias em troca de fotografias e vídeos que são depois partilhados nas redes sociais ou nos próprios websites dos alojamentos. “Isto deu-nos uma capacidade financeira. Não pagamos dormidas nem refeições e acabamos por ocupar o nosso tempo, aprimorando as skills que já temos de vídeo e fotografia. Também estamos a aumentar a nossa rede de contactos”, afirmam com orgulho.
A viagem ainda vai continuar. A 5 de fevereiro partem em direção às Filipinas. O roteiro só está planeado até àquele dia, não sabendo ainda o que farão depois. Em cima da mesa estão hipóteses como Sri Lanka, Seychelles ou Maldivas. “Isto também vai depender dos trabalhos e parcerias que surgirem.” Tal como eles próprios dizem, “vão seguir ao sabor do vento”, algo que tem acontecido regularmente durante esta aventura.
Por outro lado, uma coisa já é certa: a data de regresso a Portugal. No final de abril terão uma colaboração com um alojamento no nosso País. Passarão cá alguns meses para estarem com a família — que tem um novo membro. Não será, contudo, o fim da lua de mel. “A nossa ideia é ir para a América do Sul.”
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