Viagens

O casal que está a percorrer África numa autocaravana para regressar a Portugal

Joana e André viveram em Moçambique durante 6 anos. Decidiram despedir-se do continente africano com uma viagem inédita.
Joana e André.

A província de Niassa, em Moçambique, tem cerca de 130 mil quilómetros quadrados. É maior do que o território português, mas foi aí que os caminhos entre Joana Peixoto (29 anos) e André Peixoto (36 anos) se cruzaram, há cerca de quatro anos. Apesar de ambos terem nascido em Portugal — ela é de Sintra e ele de Pombal — foi preciso mudarem-se para um continente diferente para se conhecerem. 

Agora, já com saudades de casa, decidiram que estava na altura de regressarem ao País, mas não sem se despedirem calmamente do continente onde moraram e trabalharam nos últimos anos. Para isso, nada melhor do que uma viagem de autocaravana, de Moçambique a Portugal. Desde julho do ano passado que estão a “calcorrear a África” com a Caracunda, uma Toyota Hiace transformada numa casa com rodas.

Joana Peixoto é educadora de infância e foi a Moçambique pela primeira vez num âmbito de um programa de voluntariado. Mais tarde, regressou para trabalhar na gestão de projetos de cooperação para o desenvolvimento ligados à educação e direitos das crianças. Já André Patrício é enfermeiro de formação. Trabalhou alguns anos em Portugal, mas quando celebrou o 30.º aniversário despediu-se. Embarcou para São Tomé e Príncipe, também numa missão de voluntariado, com a organização não governamental Leigos para o Desenvolvimento. Esteve um ano no arquipélago. Decidiu renovar o período de missão, e em 2071, rumou a Moçambique. Mal sabia ele que, um ano depois, iria cruzar-se com a futura companheira.

Conhecemo-nos quando ainda estava cá como voluntário, em Niassa. Segundo as estatísticas, é a província mais desfavorecida de Moçambique, apesar de não concordarmos. É um sítio muito genuíno”, conta à NiT o casal. Entretanto continuaram a encontrar-se e André acabou por receber uma proposta para trabalhar como coordenador de emergência médica. Foi nessa altura que surgiu um dos maiores problemas entre os dois: a distância. Viviam em províncias diferentes (Nampula e Niassa) e estavam a mais de 700 quilómetros de distância.

“Foi uma situação complicada porque não existia uma estrada que fizesse a ligação entre as duas províncias. Existia sim uma estrada muito antiga, com pouca manutenção e pouco alcatrão, que podia demorar dois dias a ser percorrida. Às vezes trabalhávamos nas mesmas zonas em simultâneo e conseguíamos encontrar-nos, outras vezes um de nós tinha de ir de avião, uma viagem de 45 minutos, que era muito dispendioso”, recordam.

Por sentirem que não queriam continuar com essa dinâmica, decidiram que estava na altura de regressar a Portugal. Apesar de adorarem a vida em Moçambique, queriam estar mais perto da família. E foi então que surgiu a ideia da viagem: queriam despedir-se devagarinho e com calma. Ainda não sabiam era que essa despedida seria feita num carro com 20 anos. 

“Certo dia, a Joana veio ter comigo de avião. Tinha acabado de ver um carro à venda e sugeri-lhe regressarmos para Portugal de carro. E ela disse que sim”. O veículo que estava à venda era uma Toyota Hiace e, segundo o casal, “é uma carrinha usada para transporte de passageiros em Moçambique, a que chamam chapa”. Assim que a viram à venda, perceberam que tinha espaço suficiente para montar uma casa sobre rodas.

Não chegaram a comprar aquele veículo em específico, mas começaram uma busca intensiva por um modelo semelhante, mas ligeiramente maior — uma “caracunda”, como lhe chamavam os donos dos stands de automóveis em Maputo. “O primeiro passo foi procurar o carro fisicamente. Sabíamos que queríamos uma Toyota, mas mais alta para fazer a parte da caravana. Quando começámos a perguntar aos donos paquistaneses se eles tinham o modelo que procurávamos, todos encolhiam os ombros (a imitar um corcunda) e diziam que era uma caracunda”, recordam.

Depois de percorreram praticamente todos os stands de automóveis usados em Maputo, perceberam que as carrinhas ou eram todos muito caras, ou estavam em péssimas condições. Por isso, em agosto de 2021, decidiram arriscar e comprá-la online. Como veio do Japão, demorou cerca de três meses até chegar. E, assim que a viram com os próprios olhos, batizaram-na de Caracunda. 

O que não sabiam era que tinham comprado uma carrinha adaptada ao transporte de pessoas com mobilidade reduzida. Tinha bancos atrás e um elevador para cadeiras de rodas, o que foi uma surpresa agradável para as pessoas da comunidade. “Nunca tinham visto um elevador assim. Um amigo nosso até disse ao filho para a experimentar e fingir que estava a subir para um avião. Foi uma experiência gira”, contam.

Quando decidiram regressar a Portugal, começaram a colocar algum dinheiro de parte, avisaram as entidades empregadoras que se iam despedir e começaram a transformar a Toyota Hiace de 2003 numa autocaravana. “Não é um carro muito rápido, mas já tínhamos em mente que queríamos fazer algumas alterações porque nem todas as estradas são boas. Queríamos pôr pneus mais altos, ajustar as molas, pusemos uma grade em cima para termos mais espaço e fizemos algumas adaptações ao motor para que não aquecesse tanto”, explica. Basicamente, transformaram-no “num carro mais africano”.

A viagem começou oficialmente em julho do ano passado, quando colocaram todos os pertences dentro da carrinha e saíram da província onde viviam. “Começámos a andar com o carro inacabado e, à medida que fomos parando em casa de amigos, fomos acabando o que faltava até ficar pronta”, recordam. Ainda assim, já viveram umas peripécias engraçadas, como quando a autocaravana decidiu “morrer” mesmo ao pé de um lago com hipopótamos. “Estávamos numa reserva de Maputo e a carrinha aqueceu. Entretanto, resolvemos a situação e pensávamos que estava tudo bem, mas quando paramos perto dos hipopótamos para tirar umas fotografias, nunca mais se ligou. E ficamos ali parado durante umas horas à espera do reboque.” 

Uma dos aspetos mais gratificantes da aventura tem sido a partilha da carrinha com pessoas que nunca tinham visto nada assim. “É a primeira vez que estão a ver um carro que também é uma casa. Quando percebemos que alguém está muito curioso, por norma, deixamos que suba cá para cima. Tem sido muito giro ver as reações das pessoas e esta interação também faz parte da viagem”, sublinha o casal.

E para partilharem a viagem de Moçambique a Portugal com quem não se irá cruzar com a carrinha, o casal criou a página de Instagram “De Chapa em Chapa”, com o objetivo de mostrarem tudo aquilo que rara,ento encontramos na Internet sobre África. Há precisamente uma semana, lançaram também o canal de Youtube, onde vão mostrar os melhores momentos desta aventura pelo continente africano.

O nome que deram à viagem, De Chapa em Chapa, simboliza o próprio veículo de transporte de passageiros e a “chapa” da fotografia. “Ouve-se falar muito da fome, da pobreza e das guerras em África. Apesar de tudo isso existir, não é a única realidade e queremos mostrar o lado mais bonito do continente. Não temos condições de mostrar o lado chique e mais exótico, porque não podemos gastar milhares de euros por noite, mas vamos mostrar a nossa simplicidade, uma coisa que nos é muito característica”, referem.

Apesar de não terem nenhum plano fixo, esperam passar o próximo Natal junto da família, já em Portugal. Até lá, querem conhecer novos países, pessoas, culturas e histórias, e partilhar tudo nas redes sociais. Por enquanto, já passaram pela África do Sul e pelo Malawi. Neste momento, encontram-se na Tanzânia. 

Carregue na galeria para ver algumas das fotografias que o casal foi partilhando no Instagram. 

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