David Freitas descreve-se como“medricas”. Tem pânico de agulhas, mas isso não o impede de doar sangue, “uma das formas mais eficientes de ajudarmos o outro”. Diz que não é aventureiro, mas há três anos fez uma viagem de 5000 quilómetros até Catió, na Guiné-Bissau, onde deixou um jipe que, hoje em dia, é utilizado como ambulância. Esta quinta-feira, 9 de fevereiro, partiu para mais uma aventura solidária.
Quando não está na Guiné-Bissau, David que nasceu em França há 47 anos, passa a vida entre Viana e Gondomar. É professor de Informática do Agrupamento de Escolas nº1 de Gondomar, mas ensina muito mais do que a ciência dos computadores — e não só aos miúdos. A todos nós.
“Descobri muito tarde a sorte que tinha, no geral, de ter nascido na Europa e numa família que sempre cuidou bastante de mim e tinha a educação como ponto fulcral. Mais tarde, comecei a pensar que tinha de devolver, de alguma forma, aquilo que eu recebi sem grande esforço”, começa por contar à NiT o professor.
Quando refletia sobre como poderia ajudar os que mais precisam, descobriu o projeto Rota dos Povos, uma organização que tem assumido o papel de abraçar os miúdos num país onde a taxa de mortalidade infantil é uma das mais elevadas do mundo: Guiné-Bissau. Mas, o que é que um professor de informática poderia fazer em África?
“Os skills de um professores de informática não são muito essenciais nestes países, mas percebi que podia ajudar de outra forma”, diz. E foi então que o Mongol Rally, a maior aventura automobilística do mundo, lhe deu uma ideia: e se conduzisse uma ambulância até Catió?
“Equacionei levar um carro para um sítio que fosse realmente útil e lembrei-me da ambulância, mas depois percebi que um veículo daqueles não iria aguentar as estradas com buracos gigantes, por isso, foi transformada num jipe”, explica David, que criou a iniciativa Ambulance for Hearts em 2020.
Lançou um crowdfunding e conseguiu comprar um Hyundai Galloper de 2000, com uns 180 mil quilómetros nas rodas “e um maravilhoso coração maravilhoso, como a música do Marco Paulo”. Apelidado de C. Quim — ninguém sabe muito bem porquê, mas há quem diga que é por causa da música “Dá-me boleia” dos Gipsy Kings —, o veículo pôs-se em marcha em fevereiro de 2020, com 500 latas de leite de substituição materna e decorada com desenhos feitos por miúdos e assinaturas de amigos. Desta forma, “levam a energia de toda a gente e é uma forma de mostrar que esta é uma viatura especial”.
Juntamente com Rogério Cruzeiro, um amigo que também é informático, deu início à primeira iniciativa da Ambulance for Hearts. “Acabámos por apanhar a pandemia e fiquei fechada na Guiné-Bissau. Tive de voltar num voo de repatriamento. Depois também cheguei num dia de golpe de estado, por isso tive direito a tudo”, recorda. Quanto ao jipe, ninguém lhe disse que não era uma ambulância e, até agora, tem-se comportado como tal. “É, neste momento, o veículo do hospital sempre que há uma emergência”.
A segunda viagem
Agora, precisamente três anos após a primeira viagem, a Ambulance for Hearts está novamente a caminho de Catió — e desta vez é mesmo uma ambulância. Isto porque a Rota dos Povos está a construir um Centro de Educação Especial e Terapêutico (CEET) na cidade que fica no sul da Guiné-Bissau, uma das zonas mais pobres do país. O CEET dará apoio gratuito a 40 crianças com necessidades especiais, nas vertentes do diagnóstico e tratamento, da educação e da alimentação.
Numa zona do país em que não existe uma rede de transporte, nunca foi tão importante terem uma viatura adaptada capaz de transportar estes miúdos. “Está previsto entrar em funcionamento no final do mês e, como não conseguimos encontrar uma viatura, vamos ser nós a levá-la”, refere. Desta vez, vai acompanhado pelo casal Fernando e Teresa Pinheiro e o veículo não vai tão cheio com leite em pó, mas sim com material necessário para o centro de educação.
Esperam chegar à Guiné-Bissau dentro de 10 dias, se tudo correr como planeado. “O primeiro objetivo é conseguir chegar lá. Depois vou ficar pouco tempo porque tenho de voltar por motivos profissionais, mas a equipa que vai comigo vai ficar a dar apoio para o arranque do centro”, revela.
Ainda não sabe se esta será a última viagem com o jipe-ambulância ou não, mas o objetivo é continuar a criar pontes entre Portugal e Guiné e ajudar estas crianças que, mesmo com todas as dificuldades, “partilham o pouco que têm” com um sorriso na cara.
“As pessoas acham que sou aventureiro e corajoso, mas sou uma pessoa extremamente medricas. Isto é algo que eu faço por um motivo maior”, diz. A segunda viagem da Ambulance for Hearts começou esta quinta-feira, 9 de fevereiro, e pode ir acompanhando tudo nas redes sociais.
Aproveite e carregue na galeria para ver alguns momentos da primeira viagem.