Um homem sentado a dormir num aeroporto há quase 40 anos. Podia ser, mas não é uma tentativa de resumir o filme “Terminal de Aeroporto”, de 2004, com Tom Hanks. A produção de Steven Spielberg, inspirada na história real do iraniano Merhan Karim Nasseri, acompanha o absurdo da situação de Viktor Navorski (Hanks), que viveu no Aeroporto JFK em Nova Iorque, enredado numa teia burocrática durante nove meses. Na realidade, Nasseri viveu 18 anos no terminal um do aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, entre 1988 e 2006.
“O Viajante”, por outro lado, “vive” numa caixa de vidro, no terminal A do Aeroporto Internacional de Orlando (entre os pontos de segurança leste e oeste) desde 1986. Porém, embora à primeira vista alguns duvidem, aquela figura nunca saiu dali. Trata-se de uma escultura hiper-realista e uma das criações mais emblemáticas de Duane Hanson.
A obra retrata um homem a dormir, sentado no chão do aeroporto, rodeado pelas suas malas. Criada em resina de poliéster, fibra de vidro e bronze policromado, a escultura é um exemplo da impressionante capacidade de Hanson de captar experiências humanas comuns, como a fadiga e o cansaço inerentes a longas viagens.
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O realismo da escultura, — resultado da minúcia colocada na elaboração dos detalhes, desde as expressões faciais às roupas e adereços, — é tal que muitas pessoas a confundem com um homem real. Duane Hanson recorria a um complexo processo de criação a partir de modelos vivos, ou seja, os moldes das suas esculturas eram feitos diretamente nos corpos dos retratados.
Regra geral, o artista norte-americano recorria a amigos e conhecidos, pessoas anónimas para o público em geral. No caso de “O Viajante”, terá usado um vizinho como modelo e comprou as roupas e acessórios em lojas de artigos em segunda mão.
Embora sempre tinha sido uma atração popular e muito fotografada ao longo dos anos, a obra atingiu outro patamar de popularidade quando foi descoberta pela geração Z — que ainda não era nascida quando “O Viajante” já se tinha tornado “parte da mobília” do aeroporto de Orlando.
@marvelousmousetravels Anyone else think this guy is real? #marvelousmousetravels #mmtravels #airport #travel #vacation #orlandoairport #travelagency ♬ Monkeys Spinning Monkeys – Kevin MacLeod & Kevin The Monkey
Em 2021, um vídeo viral no TikTok levou a escultura em mais uma volta ao mundo, deixando muitos utilizadores surpreendidos ao descobrirem que se tratava de uma obra de arte e não de uma pessoa a dormir. Daí em diante, o conteúdo já foi comentado, republicado e copiado milhões de vezes, na mesma plataforma ou noutra. Graças a este efeito “máquina de lavar” das redes sociais, “O Viajante” de Hanson, que nunca saiu da Flórida — onde o escultor viveu e trabalhou toda a vida —, tornou-se mundialmente famoso.
Na verdade, Hanson elaborou duas destas figuras adormecidas, baseadas no mesmo modelo (o tal vizinho). A segunda versão, datada de 1988, apresenta uma pose semelhante, mas menos composta. Este outro viajante, com uma camisa havaiana aberta, barriga proeminente, calções de banho, queimado de sol e de ressaca, surge a dormir rodeado de sacos de viagem baratos.
Além de Orlando, há outro aeroporto da Flórida onde é possível apreciar o estilo peculiar de Hanson. No terminal 1 do aeroporto de Fort Lauderdale, cidade costeira a cerca de 50 quilómetros de Miami, os passageiros podem cruzar-se com “Vendedor com Walkman” (1990), que, segundo os críticos, “capta na perfeição o espírito blasé dos anos 90”.