Viagens

Os viajantes portugueses que fazem tatuagens nos lugares mais incríveis do mundo

Sara e Nuno andaram cinco meses a viajar numa carrinha de 1999 e levaram o material atrás. Tatuaram no deserto e no Lago Tuz, na Turquia.
Nuno e Andreia no Lago Tuz, Turquia

Já alguma vez imaginou fazer tatuagens em locais únicos e paradisíacos, bem longe dos típicos cenários dos estúdios? O casal Sara e Nuno, também conhecidos como “Daqui Para Ali” nas redes sociais, tornaram o ato de tatuar ainda mais especial para aqueles que se cruzam com eles nas suas viagens pelo mundo. Com o material guardado na carrinha que os acompanha desde sempre, estão preparados para colocar tinta permanente na pele de alguém sempre que uma oportunidade se apresenta: seja no deserto do Saara ou no Tuz, o segundo maior lago salgado da Turquia. 

Conheceram-se em 2005 e foi precisamente a arte que os juntou. Nuno, agora com 40 anos, trabalhava num escritório no Porto quando decidiu seguir o sonho da arte urbana, algo que faz desde o final dos anos 90. Surgiu a oportunidade de ir a um festival de música, em França, onde foi convidado a pintar um mural — e acabou por conhecer Sara (35 anos), uma portuguesa que nasceu perto de Bordéus e que terminava os estudos na altura. Ficaram afastados durante cerca de dois anos, mas, quando a namorada foi de Erasmus para Vila Real, nunca mais se separaram.

Por volta dessa altura, Nuno voltou a dedicar-se à arte de tatuar — algo que tinha aprendido a fazer no início dos anos 2000. Tornou-se tatuador a tempo inteiro em 2008 e abriu um estúdio na Maia. Estava longe de sonhar que, um dia, levaria o material para bem longe da sua cidade natal. Afinal, a paixão pelas viagens só surgiria anos mais tarde. 

“O clique deu-se em 2016. Tínhamos arrendado um apartamento incrível, em frente ao mar, mas foi vendido em 2017. E, no final do contrato, tivemos de sair. Arranjar casa era complicado, estava tudo caro, por isso decidimos ir para a Tailândia durante três semanas”, conta à NiT o casal. Desde então, viajar “tornou-se um bichinho” difícil de controlar. Quando deram por isso, já tinham passado três meses na Ásia e faziam roadtrips pela Europa e por Portugal — com uma “velha carrinha de 1999” que também usavam para as deslocações do dia a dia. Tudo isto enquanto conciliavam os trabalhos que tinham no Porto.

“Sempre nos disseram que a devíamos trocar por um carro mais novo, mas a carrinha estava em boas condições. Pusemos um colchão na parte de trás e tornou-se uma espécie de autocaravana. Não era preciso gastar 15 mil euros para comprar uma grande carrinha e atrasar o sonho”, reforçam. 

Com quase meio milhão de quilómetros percorridos — a Opel Combo com uma pintura na parte lateral que chama a atenção de todos os que cruzam com ela na estrada —, a carrinha já os levou a três continentes nos últimos anos. O material de tatuagem, contudo, nem sempre foi com eles. A ideia só surgiu em 2019, quando estavam na Albânia. “Acordámos no meio das montanhas, olhei para a Sara e disse que o cenário era incrível. Perguntei-lhe queria fazer uma tatuar e desenhei-lhe uma montanha”, recorda Nuno. 

Começou por ser algo só deles, mas, quase sem darem por isso, estavam a fazê-lo a outros viajantes que encontravam pelo caminho. Quando decidiram partir, em fevereiro deste ano, para uma aventura de cinco meses por três continentes (África, Europa e Ásia), levaram o material atrás — e as oportunidades foram surgindo. “Nada é procurado, as pessoas perguntam-me o que faço, digo que sou tatuador e é assim que surge”, conta. 

Para o casal, não há nada mais espetacular do que “tatuar em sítios bonitos”. “O material, sendo descartável e de uso único, continua a ser o mesmo que num estúdio, e a higiene também. Mas é muito mais memorável fazê-lo com vista para as montanhas ou ao pé do lago”, diz.

A viagem de cinco meses (e as tatuagens que fizeram)

Marrocos foi o primeiro destino desta aventura do casal. Chegaram em fevereiro, num mês particularmente frio e chuvoso, que lhes “proporcionou uns momentos de adrenalina”. Um deles aconteceu quanto tiveram de atravessar várias partes de um rio porque a estrada tinha sido destruída pela força da água. Com alguma paciência, lá conseguiram percorrer o “rio”, um momento que ficou registado no canal de YouTube, onde partilham as suas aventuras.

Nessa noite, acabaram por ficar a dormir no meio da montanha e encontraram uma aldeia remota, onde “a comunicação foi feita unicamente por gestos”. Entenderam-se através da música e passaram a noite a tocar jambé, instrumento que também andava com eles na carrinha. 

Quando chegaram ao deserto do Saara, em Marrocos, o momento foi marcado de forma especial: no meio daquele cenário arenoso, Nuno fez uma autotatuagem de um tagine, uma espécie de panela de barro em forma de cone usada para cozinhar os pratos tradicionais do norte de África. 

Após um mês no país africano, seguiram o volante Opel Combo pela Europa e fizeram uma paragem na Grécia — e logo no primeiro dia aconteceu um dos momentos mais especiais da viagem. “Cruzámo-nos com um casal francês, que viaja num camião também, a fazer parapente. Parámos para ver e depois vieram meter conversa connosco, até porque viram a pintura da carrinha e começaram a perguntar quem a tinha pintado”, recorda o casal.

Assim, de forma totalmente espontânea, Nuno ofereceu-lhe uma tatuagem em troca de um voo de parapente. Desenhou um pássaro nos ombros da mulher e, pouco depois, estavam a centenas de metros de altitude a praticar voo livre. “O mais intimidante foi quando o francês, que sabíamos que tinha mais de 600 horas de treino, disse, em pleno voo: ‘sou autodidata. O ideal teria sido aprender numa escola, mas consegui sozinho’”, recordam. Ainda assim, confiaram nele cegamente e não se arrependeram.

“Apesar de ter sido uma troca pela tatuagem, fazer uma viagem de parapente é muito caro e quisemos dar uma contribuição, uma pequena doação pelo momento que nos proporcionaram”, conta o casal.

A seguir à Grécia, o destino seguinte (o último) foi a Turquia — e podiam escrever um livro sobre as experiências que viveram neste país euro-asiático. “Da generosidade dos turcos, aos encontros com outros viajantes, como subir a um vulcão num dia com ventos a 40 quilómetros por hora ou sermos convidados para um chá que se transformou num convívio pela noite com os habitantes da aldeia”

Um dos momentos mais altos da viagem aconteceu quando tatuaram a amiga Andreia, dos Travel Inspire, que já andavam por lá a viajar e com quem se encontraram. O desenho foi feito com o lago Tuz, numa “paisagem única e paradisíaca”, como cenário. “Dava a sensação que estávamos a tatuar no meio das nuvens, o céu estava incrível. Foi um dos sítios mais loucos que já tatuei. Fiz uma representação da carrinha deles, onde vivem há quatro anos”, recorda.

A arte urbana nas viagens

Não é só através das tatuagens que o casal deixa a sua marca nas pessoas e nos lugares — a arte urbana, uma das maiores paixões de Nuno, também não é esquecida. “Uma das coisas que fazemos nas nossas viagens, em termos artísticos, é pintar murais em todos os países. Normalmente é um investimento que nos sai do bolso, mas é muito gratificante. A Sara ajuda-me quando são pinturas maiores e é preciso preencher”, revela.

Em Marrocos, por exemplo, ficaram hospedados num albergue que custava 5€ por noite. Simpatizam com o proprietário, que já tinha alguma idade, e sugeriram pintar uma parede que estava um pouco estragada. “Sentimos que tínhamos de dar algo em troca porque estávamos a pagar pouco. Pintei algo relacionado com o país, um homem do deserto com a bandeira do sítio e o nome do espaço”, revelam. 

Quando estavam na Turquia, também conheceram um bombeiro que deu apoio aos moradores após o terramoto que atingiu o país em fevereiro. “Tinha uma caravana onde albergava pessoas que precisavam e oferecia comida. Contou-nos tudo e simpatizámos com ele”. Para o mostrar, pintaram o veículo, que deixou de ter um “aspeto básico”. Como forma de agradecimento, o bombeiro levou-os a conhecer a aldeia onde vivia.

“Fica sempre lá qualquer coisa, uma tela, uma pintura ou uma tatuagem. De certa forma, deixamos lá a nossa marca”, diz o casal. Entretanto, já regressaram a Portugal e, se quiser uma tatuagem feita por Nuno, pode sempre fazer uma marcação no estúdio Costah Tattoo & Art, através das redes sociais. 

A seguir, carregue na galeria para ver algumas fotografias de Sara e Nuno, assim como algumas das tatuagens e pinturas que fizeram ao longo da viagem.

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