Onde este homem está não chegam pandemias nem vírus, o isolamento é um dado adquirido e a solidão e aventura acabaram por trazer um bónus inesperado: total segurança face ao inimigo invisível com que o resto do mundo luta. Há quase seis meses no mar, longe de tudo e de todos, sozinho num veleiro, o canadiano Bert terHart cumpre o sonho da sua vida: tornar-se a primeira pessoa do continente norte-americano a concluir a circumnavegação ininterrupta do mundo, sem navegação eletrónica.
Um sextante, um almanaque, caneta, papel e diário de bordo para navegação, além do equipamento com que publica as suas crónicas e fotos e um peluche de estimação. São estes os companheiros de viagem do homem de 62 anos que, por estar tão só e isolado, tão longe de tudo, se tornou ironicamente na pessoa mais segura neste momento, pelo menos em relação à Covid-19.
Bert terHart partiu de Victoria, BC, no Canadá, a 27 de outubro de 2019, no Seaburban, o seu veleiro. Tinha como objectivo circumnavegar o globo sem parar, passando os cinco grandes cabos. Demorou anos a planear a viagem à minúcia, muito antes de tudo o que acontece agora no mundo ter sequer começado.
Está há mais de cinco meses no mar alto e, na verdade, a sua viagem já está perto do final. Num blogue e numa conta de Instagram, milhares de fãs e seguidores vão acompanhando as suas aventuras, detalhadas por vezes ao milímetro, acompanhadas de considerações e reflexões.
Bert partilha imenso: as suas refeições e desafios; os recados e fotos que a mulher lhe envia, sendo claramente sempre um pilar de apoio. Faz aliás flashbacks ao passado e ao momento em que ela o ajudou a preparar o barco, a pintar e encher de comida. Vai explicando que calculou que a viagem levaria cerca de seis ou sete meses, adicionando um extra de segurança de 35% para provisões.
Saiu assim com cerca de nove meses em stock mas revela, noutra publicação, que tem comido mais desta vez do que noutras viagens. Conta os desafios e aventuras também: nestes meses, Bert já encontrou tempestades, temperaturas extremas, alimentos estragados, clima violento, reparos de emergência, sustos vários.
Nunca pensou em desistir mas diz que entre percalços no barco, com a meteorologia e o seu apetite extremo, está atrasado na rota e praticamente no limite das provisões. O que pode não ser grave, porque se tudo correr bem chega nas próximas semanas ao Canadá.
Numa entrevista por email ao “Yahoo Lifestyle”, o aventureiro explica que fez tudo isto por uma questão de desafio pessoal, já que apenas 300 marinheiros em todo o mundo completaram uma viagem do género, e muitos poucos nestas condições.
Fala também dos desafios do isolamento, tão relevantes agora: conta que se alimenta sobretudo de massas, arroz, quinoa e aveia além de claro, muitos enlatados. Tinha frescos mas já acabaram quase totalmente.
Diz ainda que ouviu falar sobre o coronavírus assim que a Itália começou a relatar um número crescente de pessoas infectadas. Como mora numa ilha relativamente pequena, instintivamente percebeu o potencial de contaminação de um vírus como este: avisou a mulher e até publicou no seu blogue, a que chama “5 Capes” um apelo, pedindo às pessoas que se auto-isolassem e se preparassem para uma desaceleração geral dos serviços, incluindo escassez de alimentos.
Dá ainda dicas para manter a sanidade durante tanto tempo de isolamento. Que se resumem em dois conceitos chave; disciplina e rotina. Acrescenta mesmo que assim que se afasta de uma destas começa a ficar stressado, ou ansioso.
Bert explica ainda a companhia do peluche a que chama Sir Salty, dizendo ter sido um presente. “É o mascote dos barcos de um amigo muito querido há mais de quatro décadas. Quando eu estava de partida, ele correu pelo cais com Salty debaixo do braço. Queria que eu o considerasse um amuleto da boa sorte”.
E parece que foi. A viagem termina em Victoria e Bert diz que só quer estar com a família e tomar um banho quente. Do isolamento no mar passará, provavelmente, para um outro mais confortável mas menos aventureiro: em casa.