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Podia ter ficado numa cadeira de rodas. Agora pedala pelo mundo para ajudar miúdos

Pedro Bento sofreu um grave acidente de mota em 2017, mas a vontade de partir em missões solidárias ajudou-o na recuperação.
Tem 44 anos.

Quando Pedro Bento acordou no hospital após ter um grave acidente de mota, em 2017, os médicos disseram-lhe que nunca mais poderia praticar qualquer atividade desportiva. Para um atleta que passou metade da sua vida a competir em provas de BTT, era tudo o que não queria ouvir. De um dia para o outro, tiraram-lhe tudo aquilo pelo qual andava a lutar desde os 18 anos — ou assim achava ele. 

A recuperação foi longa e dolorosa. Partiu nove vértebras e uma omoplata, teve de levar ferros e parafusos, mas, no meio de tudo isto, ainda foi um homem de sorte. Podia mesmo ter ficado preso a uma cadeira de rodas. Apesar das piores previsões, o atleta e professor de educação física, natural de Almeirim, conseguiu recuperar totalmente das lesões em cerca de um ano e meio e, contra todas as expectativas, voltou a fazer aquilo que mais gostava: andar de bicicleta. 

O foco, contudo, deixou de ser tanto as competições de BTT. Queria fazer algo maior, que inspirasse e ajudasse as pessoas com mais dificuldades. Então, pensou: e, porque, não começar a fazer aventuras de bicicleta com fins solidários?

“A ideia surgiu quando estava em recuperação, foi a forma que arranjei para me motivar. Sonhava voltar a fazer desafios que fossem ainda mais difíceis do que quando competia e pensar nisso resultou. Ajudou-me a pegar na bicicleta mais rapidamente do que era esperado”, começa por contar à NiT o almeirinense de 44 anos. Três meses depois, já tinha voltado a pedalar. Ainda tentou andar de mota, mas acabou por vendê-la “por ter receio” de ter outro acidente do género. 

Ainda no hospital, decidiu que ia fazer uma viagem entre Portugal e o Nepal de bicicleta, um país pelo qual se apaixonou em 2016, quando participou no Yak Attack, a competição de bicicleta a maior altitude do mundo — Pedro tem o projeto de terminar as 10 provas por etapas mais duras de BTT.

“Quando estive no Nepal criei uma ligação muito forte com as crianças vítimas do terramoto de 2015. Conheci-as num campo de refugiados e decidi que queria ajudá-las”, diz. Assim, em 2019, já totalmente recuperado, partiu de Almeirim em direção a Katmandu, uma jornada de 10 mil quilómetros que demorou 72 dias. No final, conseguiu arrecadar 11 mil euros que permitiu apoiar os Bombeiros Voluntários da cidade onde nasceu, em agradecimento pelo apoio recebido na sequência do acidente, e o projeto “Dreams of Katmandu”, uma iniciativa do português Pedro Queirós para ajudar as populações afetadas pelo terramoto.

Sob o lema “1 euro por 1 quilómetros”, esta foi apenas a primeira missão solidária do atleta. “A primeira aventura correu tão bem, as pessoas identificaram-se com esta nova forma de solidariedade que decidi continuar”, conta.

O segundo desafio aconteceu dois anos depois, em 2021, quando decidiu pedalar entre Katmandu e o campo base do Evereste, tornando-se no primeiro português fazê-lo de bicicleta. Conseguiu reunir perto de 3.300€ para assegurar 10 mil refeições a crianças nepalesas desfavorecidas.

A aventura solidária entre o Equador e Argentina

A 23 de junho deste ano, Pedro Bento partiu para mais uma missão com fins solidários. Desta vez, o ponto de partida foi a cidade de Quito, no Equador. O objetivo era pedalar cerca de 10.500 quilómetros até chegar a Ushuaia (também conhecida como “terra do fim do mundo”), na Argentina, no extremo sul da América Latina.

Completou o desafio a 1 de setembro, após 68 dias a andar de bicicleta e a enfrentar temperaturas negativas, neve, gelo e tantas outras situações caricatas e assustadoras que aconteceram pelo caminho. Mal sabia ele que ia correr risco de vida novamente: não devido a um acidente, mas por tentativa de homicídio. 

A situação mais grave de todas aconteceu no dia em que chegou à Argentina, quando um homem tentou atingir-lhe na cabeça com uma foice, uma ferramenta agrícola com lâminas curvadas. “Íamos na estrada e passou muito perto de mim. Levantei a mão a pedir para ter cuidado e parou uns 200 metros à frente. Quando vou cruzar com o veículo, sai de lá com uma foice no ar e a dizer que me ia matar. Só tive tempo de puxar a bicicleta, mas ainda passou perto do meu pescoço”, recorda. Foi “uma sorte terrível” e a “situação mais grave que já teve em viagens”.

Outro dos maiores sustos da viagem foi sentir o terramoto com magnitude de 6,6 no Chile. “Dormia descansado, pensei que sonhava e a cama começou a mexer-se. Durou uns 30 segundos, foi um susto enorme, mas não houve casas destruídas”, conta. O mau tempo foi, também, um dos maiores desafios desta aventura.

Atravessou tempestades de neve e rajadas de vento tão complicadas que, se não tivesse a sorte de ser ajudado por um senhor que passou por ele, podia “ter ficado ali em estado de hipotermia”. “A estrada estava completamente gelada, mas também fui em pleno inverno. Eram temperaturas a rondar os oito graus negativos e tinha de arranjar soluções. Punha sacos de plásticos nos pés ou entre as camadas de roupa para me proteger mais do frio”, recorda.

Pedalou, em média, 180 quilómetros diariamente, mas nem sempre era tarefa fácil, sobretudo na “zona ventosa” da Patagónia. Havia dias em que o vento era tão forte que eram proibidos de sair à rua. “Andava cinco quilómetros por hora porque não dava mesmo para mais. Chegava completamente desgastado”, confessa Pedro. A contar com a bicicleta e a mochila, carregava 29 quilos todos os dias. Levava uma tenda para acampar quando fosse necessário, mas dava preferência às noites passadas em pensões ou hotéis baratos, até porque “precisava de recuperar bem”.

Nesta última aventura, sob o lema “1 euro por 1 quilómetro”, conseguiu arrecadar perto de cinco mil euros, destinados a comprar material ortopédico (como cadeiras de rodas, coletes ou apoio nas sessões de fisioterapia) para três crianças de Almeirim, e para apoiar uma escola no Nepal. “Algumas delas não têm pais e aprendem ali coisas básicas do dia a dia, como ler e escrever. O valor vai servir para comprar material escolar ou pagar consultas médicas”, adianta. 

Ainda agora terminou mais uma missão, mas Pedro já anda a pensar em novas aventuras. Contudo, é “impensável fazer viagens destas todos os anos” devido aos custos, que saem todos do seu bolso. Neste desafio entre o Equador e a Argentina, gastou perto de 4.000€, mas, no fim, vale sempre a pena.

“É um orgulho enorme ver que as pessoas decidiram confiar em mim e apoiar-me nestas aventuras, a fazem doações para estas causas. É um sentimento de felicidade porque consigo cumprir o objetivo, chegar ao destino que me propus e conseguir ajudar as crianças”, confessa. Pode acompanhar todas as viagens de Pedro Bento nas redes sociais. 

A seguir, carregue na galeria para ver algumas fotografias da mais recente aventura solidária do atleta.

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