Foram anos de esforço, testes e planos, mas a pandemia deixou literalmente em terra, pelo menos por agora, os planos da companhia Qantas, de regularizar o maior voo comercial do mundo: entre 19 a 20 horas diretas a partir de Nova Iorque ou de Londres até Sidney, na Austrália.
Segundo o “Daily Mail“, a empresa suspendeu os planos de avançar com o lançamento destes voos diretos e até já colocou temporariamente na gaveta as encomendas de 12 Airbus A350, os aparelhos que fariam as viagens deste programa de longo curso chamado Project Sunrise.
Citado pelo jornal, o administrador da empresa disse que, devido ao impacto tremendo da pandemia do novo coronavírus na aviação, a altura não era de todo adequada. Os voos deveriam começar a ser regulares no entre 2022 e 2023, mas já tinha sido levantada alguma polémica sobre o seu impacto no meio ambiente.
A empresa diz que tem uma almofada financeira para enfrentar a pandemia mas ressalta que o timing é mau. Recorde-se que esta semana, uma nova análise da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) concluiu que é esperado que os danos da Covid-19 ao setor das viagens aéreas se estendam até 2023, com as viagens de longo curso a serem as mais afetadas.
No ano passado, a Qantas realizou três vôos de pesquisa para testar o impacto das rotas de longo curso sobre passageiros e tripulação. A primeira foi a 19 de outubro, quando se fez história da aviação: depois de anos de ensaios, o voo mais longo da história entre Nova Iorque, nos EUA, a Sidney, na Austrália — no outro lado do mundo — aconteceu em 19 horas e 16 minutos, atravessando mais de 16 mil quilómetros sem parar nem reabastecer.
Com partida às 21h07 de um sábado em Nova Iorque, hora local, e chegada mais de 19 horas depois a Sidney, o voo da Qantas foi sobretudo uma experiência: quase 50 pessoas, entre passageiros, pilotos e comissários de bordo, foram monitorizados durante praticamente todo o dia que passaram no ar. O objetivo era entender, registar e criar regras adequadas para o impacto no corpo de estar num espaço pequeno, milhares de metros acima do solo, durante tantas horas — e ainda por cima num voo feito no sentido contrário ao da rotação da terra.
Os primeiros resultados foram animadores: “Eles dançaram a “Macarena” a 10 972 metros acima de Las Vegas, jantaram camarões escalfados com pimenta e limão e bacalhau picante e assistiram a vários filmes, incluindo a obra biográfica de Elton John, ‘Rocketman’”, foi então noticiado.
Os 49 passageiros eram compostos por seis pilotos, cinco membros de tripulação de cabine, um chef, vários jornalistas, seis passageiros frequentes e ainda o presidente da companhia aérea australiana. O avião, da Boeing Dreamliner, levou um número deliberadamente restrito de pessoas — e também de bagagem e de todo o peso não essencial — porque uma das coisas mais importantes era perceber até que ponto o combustível chegava; e se ainda sobrava, como chegou a acontecer: havia mais 70 minutos de combustível de sobra, no final.
De resto, relatam os jornalistas que estiveram presentes, terá sido uma aventura bem sucedida, com detalhes que ficam para a história. Os passageiros do primeiro de três testes da Qantas tinham de levar os seus relógios no horário de Sydney, para tomarem ações que pudessem minimizar o jetlag. Foram instruídos a manter-se primeiro acordados o mais tempo possível, pelos mesmos motivos: e para o ajudar, o primeiro jantar, uma de várias refeições servidas a bordo, foi propositadamente picante.
Seis horas depois, as luzes de cabine foram diminuídas, e os passageiros terão dormido confortavelmente a noite inteira.
Na manhã seguinte, tal como na véspera, todos os presentes foram incentivados a passear entre cabines para que o sangue circulasse, bem como a fazer alongamentos regulares, assumir posturas de ioga; e até a dançarem a “Macarena”, pelos mesmos motivos, procurando manter a atividade do corpo.
Durante todo o tempo e todo o processo, foram rigorosamente monitorizados por várias máquinas, tendo ainda de preencher diversos diários de atividades e de sono. Finalmente, no cockpit havia câmaras para registar as operações e quaisquer possíveis sinais de alerta; e os pilotos usaram equipamento de monitorização para registar o seu estado de alerta e concentração.
A luta pelo “voo mais longo do mundo” remonta já a 2016. Até outubro desse ano, quem detinha o título era a Emirates, com a sua rota Auckland–Dubai, percorrendo mais de 14 mil quilómetros sem paragens. No início desse mês, foi anunciado um novo vencedor: a Air India, que, ao fazer modificações na rota de Delhi a São Francisco, ultrapassou os 15 mil quilómetros sem paragens.
Exatamente dois anos depois, em outubro de 2018, a tecnologia da aviação deu um salto enorme. O voo mais longo do mundo passou a ser a ligação Singapura—Nova Iorque: 18 horas e 45 minutos no ar para percorrer os 16,700 quilómetros que separam as duas cidades. No voo inaugural, da companhia aérea Singapore Airlines, a 11 de outubro desse ano, 161 passageiros (dos quais 67 em classe business e os restantes em premium economy) passaram quase 19 horas num avião, sem nenhuma pausa.