Todos os anos, Buñol, na região espanhola de Valência, veste-se de vermelho para uma luta onde os tomates maduros são a arma e o móbil é uma tradição com mais de 50 anos de história.
O La Tomatina, festa tradicional e icónica, que atrai milhares de pessoas de todo o mundo, tem tanto de divertido e popular como de polémico, mas é sobretudo uma daquelas festas de “fazer pelo menos uma vez na vida”, de bucket list, sobretudo para quem mora relativamente perto do evento, como é o caso dos portugueses.
Há quem vá dos EUA, da Austrália, até da Ásia e chegue a Buñol em agosto, basicamente para levar com tomates e arremessar outros tantos. Pois tal como em todas as festas tradicionais há também muito convívio, dezenas de celebrações paralelas, coisas para ver, pessoas para conhecer, fogos de artificio, festivais de paella, comida e bebida, e isto dias a fio.
As regras do evento em si são simples e bem definidas, ou senão, como em muitos casos, a festa pode facilmente descambar: o caos é inevitável e até apreciado, mas não se podem enviar quaisquer objetos sem ser tomates, nem levar garrafas para a praça. Idealmente deve esmagar os próprios tomates antes de os atirar, não puxar roupas de outros, evitar botas muito duras no calçado, não ter atos violentos e parar imediatamente depois do segundo tiro de canhões de água (ao primeiro tiro começa, ao segundo acaba).
São ainda recomendados cuidados com os camiões de tomates e o uso de óculos de proteção e luvas, bem como a escolha de calçado e roupa que possa depois deitar fora — o mais provável é que fiquem sem recuperação possível.
A Tomatina acontece sempre na última quarta-feira de agosto, e este ano será dia 29 de agosto. A festa começa normalmente na véspera, com concursos, música ao vivo, DJ, animação, e dura até uma semana — aliás o próprio evento já surge integrado na semana de festividades de Buñol.
“Maior Luta de Alimentos do Mundo”
Na manhã do dia da Tomatina, a partir das 10 horas, mais de 100 toneladas de tomates começam a ser distribuidos por camiões, entre a Praça São Luis e a Praça do Povo, numa área que se chama mesmo La Tomatina Village. Entretanto, é pendurado um presunto no centro da praça e o festival só começa quando algum corajoso conseguir trepar um poste de dois metros, deliberadamente escorregadio com sabão, e tirar o presunto.

A festa do ano passado.
Quando este ritual acontece, ouve-se o primeiro disparo de canhões de água e é o caos total — até os lojistas da área forram as montras a plástico, para evitar os danos.
Depois de pouco mais de uma hora, a luta é dada por terminada, com um segundo tiro de canhões de água, e começam logo a ser limpas as ruas, com carros de bombeiros. As ruas, e também as pessoas, já que muitas tentam aproveitar os camiões para tirar os tomates. Outras, pedem ajuda a moradores solícitos, que emprestam as suas mangueiras, havendo ainda quem se dirija ao rio Buñol para banhos.
E o mais incrível é que aparentemente as ruas ficam impecavelmente limpas e até desinfetadas depois do evento, devido à acidez do tomate entretanto retirado.
Até 2013, a tomatina era gratuita e era só aparecer, mas desde esse ano que a entrada começou a ser cobrada. Em parte, dizem os responsáveis da pequena cidade de Buñol, para ajudar a cobrir os enormes gastos com o evento, mas também para impor algum controle nas entradas: a praça não é gigante, a cidade também não, e chegaram a aparecer 50 mil pessoas num ano, esperando-se que aumentasse ainda mais, para níveis bem perigosos.
Agora, o limite é de 20 mil pessoas, controladas pelos bilhetes. Para residentes locais e alguns turistas de maior duração, a entrada é gratuita, mas também com emissão de ingresso.

Os camiões que distribuem os tomates.
Os bilhetes normais custam 12€ e podem ser comprados antecipadamente no site oficial, e atenção que desde que há esta regra, costumam sempre esgotar — este ano, ainda há. Quem quiser subir aos camiões para ter uma melhor vista e sucesso garantido a acertar com tomates, tem de pagar 750 euros.
Como ir e onde ficar
Buñol é uma cidade da província de Valência, Espanha e dela dista pouco mais de 30 quilómetros. De Lisboa, tem diversas combinações de viagens de autocarros (a maioria entre Lisboa-Madrid e Madrid-Bunõl) a cerca de 80€ e comboios a partir dos 100€.
Também pode ir de carro, a viagem é cerca de 900 quilómetros e mais de 10 horas pelo que o ideal será fazer numa road trip com paragens, ou então de avião: tem voos para Valência a partir de 160€, para a semana da Tomatina, ida e volta, e depois apanha um autocarro ou divide um carro com amigos, até Buñol.
Quanto a alojamentos, as acomodações são limitadas durante aquela semana e esgotam rapidamente, havendo muitas pessoas que ficam por cidades ou turismos próximos. Em hotéis entre cinco a 15 quilómetros de Buñol, ainda encontra alojamento a partir de 125€ por noite e por quarto.
E há agências, muitas agências, com programas mais em conta e divertidos, como a Stoke Travel, que a partir de 60€ tem pacotes em que pode ficar num acampamento à beira-mar, com uma “Festa do Ketchup” na noite anterior à luta, uma paella gigante, bar, jogos de praia e transporte até ao recinto.
Até a portuguesa Abreu tem pacotes, com alojamento e voo para Valência, a partir de 250€, nessa semana.
A história que não se sabe bem qual é
A história do início do La Tomatina tem várias versões: certo é que remonta a 1945, mas a partir deste facto começam as versões alternativas: poderá ter sido criada quando, durante o desfile de “Gigantes Y Cabezudos”, no âmbito das Festas de Buñol, criadas em homenagem aos santos padroeiros da cidade, Luis Bertran e a Mare de Deu dels Desemparats, alguns jovens decidiram começar a mandar tomates uns aos outros, sendo multados pela polícia. No ano seguinte, depois de a história se espalhar pela região, houve quem repetisse a graça, e de ano para ano, foi crescendo, até ao município a oficializar.
Também há quem jure que tudo começou com um derramamento acidental de tomates por camiões, que descambou no que já se sabe. Outra versão é a de que alguns cidadãos, descontentes com a vereação da cidade, atacaram vereadores durante as mesmas festas, num discurso, com tomates. O certo é que o evento pegou rapidamente e chegou a ser proibido durante o a ditadura de Franco, por não ser uma festa religiosa, tendo sido recuperado na década de 70.
A Tomatina já foi criticada pelo desperdício de tomates, mais de 150 mil oriundos normalmente da região da Estremadura, onde são mais baratos e existem em maiores quantidades. Mas é sempre defendido que são utilizados tomates maduros e em fim de vida, ou até cultivados para o efeito, de pior qualidade e sabor.
O festival é tão popular que já houve várias recriações, em Nevada e Chicago, EUA, em Londres, na Costa Rica e na Colômbia. Até houve uma tentativa de recriar o festival na Índia, mas foi proibida devido ao desperdício de tomates.
Mais coisas para ver
O que torna a Tomatina um sucesso tão grande, além da anarquia total, temporária e legal, é o facto de a região ser tão bonita e com tanto para ver que o ideal é mesmo inserir o evento numa paragem, em férias pela região. Na própria cidade de Buñol tem mais para ver, como o El Castillo, uma fortaleza em ruínas, além de uma gastronomia incrível. Ao lado, tem mais monumentos e ruínas na localidade de Chiva e por perto tem boas praias, como a Malva-rosa e Cala del Retor.
Todas as terras da região valenciana são cheias de festividades em agosto, um pouco à semelhança do que acontece em Portugal. E mesmo Valência é uma cidade incrível para visitar, e com uma animada vida noturna.

A região de Valência é incrível e pode aproveitar para a conhecer.