Viagens

Sexo, cantorias e missas. Afinal, o que leva tantos jovens aos encontros de Taizé?

Anualmente, milhares rumam à aldeia o sul de França para viverem uma semana numa comunidade que reúne católicos de todo o mundo.
É uma experiência inesquecível.

Ana Santos tinha 15 anos quando ouviu falar pela primeira vez da comunidade de Taizé, que reúne católicos e protestantes de todo o mundo. A oportunidade de rumar à aldeia no sul de França surgiu graças às aulas de Educação Moral e Religiosa, numa escola em Santarém. A comunidade na pequena localidade francesa organiza encontros de jovens anualmente, sobre os quais já tinha ouvido inúmeras histórias, tanto histórias boas como más. “Muitas pessoas queixaram-se da comida, que tinham passado fome, mas outras diziam que tinha uma experiência incrível”, começa por contar à NiT.

Mesmo não sendo católica praticante, resolver ir pelo convívio — um motivo comum a tantos outros participantes. Não se trata de uma viagem de finalistas, mas o conceito não é assim tão diferente: é uma reunião de jovens, num país diferente que, sem a supervisão dos pais, têm liberdade para fazer aquilo que quiserem — com algumas regras, claro.

Em Taizé não há discotecas nem hotéis com piscina. Dormem em camaratas com beliches, comem as refeições à colher (não há garfos nem facas), reúnem-se três vezes por dia para orar, participam em grupos de reflexão e fazem todo o tipo de trabalho voluntário. As tarefas incluem limpar as instalações sanitárias, preparar a comida ou até mesmo “mandar calar as pessoas na igreja”. 

Todos os anos, centenas de jovens vivam ao ritmo da comunidade de Taizé durante uma semana. Tudo começou em 1940, quando o irmão Roger, com 25 anos, deixou o seu país de origem, a Suíça, para viver em França, após sofrer durante vários anos devido a uma tuberculose pulmonar. A doença fê-lo desenvolver a vontade de, um dia, fundar uma comunidade. 

Quando a Segunda Guerra Mundial eclodiu, decidiu prestar ajuda às pessoas que sofriam com o conflito e fixou-se em Taizé, uma pequena aldeia que ficava próxima da linha de demarcação que dividia a França. Era, portanto, o melhor sítio para acolher refugiados. A localidade passou a ser considerada “um refúgio”. 

Roger pediu ajuda a uma das irmãs, Geneviève, para o ajudar no acolhimento. Mesmo sem água corrente, com refeições modestas e poucos meios materiais, deram abrigo a muitos refugiados, alguns judeus, outros agnósticos. Por respeito, o irmão rezava sozinho no seu quarto e pedia a todos que fizessem o mesmo.

Entretanto, no outono de 1942, o refúgio foi descoberto e todos foram obrigados a fugir. Roger mudou-se para Genebra até ao final da guerra e foi lá que começou uma vida comunitária com os primeiros irmãos. Em 1944, regressaram a Taizé, que se tornou um importante destino de peregrinação cristã. Hoje em dia, centenas de católicos de todo o mundo visitam a comunidade, mas os convívios de uma semana com jovens de várias nacionalidades são uma das prioridades. O encontro deste ano arrancou a 20 de agosto e decorre até dia 27.

O dia a dia em Taizé

Assim que soube que tinha a oportunidade de conhecer a comunidade de Taizé, Ana Santos, de 24 anos, começou logo a juntar dinheiro para participar no encontro de jovens, com pessoas de todo o lado. “Passei parte do verão a trabalhar para conseguir ir. Fui pela primeira vez em 2016 e repeti a experiência no ano seguinte”, recorda. Na altura, pagou 180€, já com tudo incluído.

Após uma viagem de um dia inteiro de autocarro com os colegas de escola, chegou finalmente a França — e a primeira impressão ficou-lhe gravada na memória. “Assim que chegámos, colocamos as malas todas debaixo de uma tenda. À primeira vista, parecia quase uma comunidade hippie”, conta. Logo depois, foi conhecer as camaratas com beliches onde ia passar as próximas noites.

“Lembro-me que nos distribuíram por atividades, porque tínhamos de fazer trabalho de voluntariado. Havia equipas a limpar os balneários, que iam dar as refeições ou apanhar o lixo de madrugada”, diz. Nesse primeiro ano, a jovem ficou responsável por manter as instalações sanitárias limpas, uma atividade que, apesar tudo, “foi bastante divertida”, porque tinha a companhia de outras pessoas. 

Os dias em Taizé começavam bem cedo, por volta das 7h30, hora em que tocam os sinos. Às 8 horas, ainda antes do pequeno-almoço, reuniam-se todos para a primeira oração do dia. “As missas eram diferentes das que conhecemos em Portugal. Duravam perto de uma hora e as passagens da Bíblia eram cantadas em diferentes línguas”, recorda.

Por volta das 9 horas, os jovens iam finalmente tomar a primeira refeição do dia. “Lembro-me de ficar chocada com os pequenos-almoços, era uma baguete e uma taça com leite. Davam-nos manteiga e chocolate, mas só tínhamos uma colher para barrar. Não havia garfos nem facas”, conta. 

Ainda na parte da manhã, quem tinha 16 anos juntavam-se para o grupo de reflexão — uma atividade opcional. Aqui, eram divididos por todas as nacionalidades e uma pessoa era responsável por ler uma passagem da Bíblia. O objetivo era que refletissem sobre ela durante o resto do dia.

Seguia-se o almoço, que tinha “filas intermináveis”, onde aproveitavam o tempo para fazer jogos entre si. Depois, participavam na segunda missa do dia e a parte da tarde era dedicada ao trabalho voluntário, com uma pausa pelo meio para lancharem. Antes do jantar, faziam a terceira oração do dia e tinham a noite livre para fazerem o que quisessem. Muitos passavam os serões no Ayak, uma “espécie de bar onde se pode comer crepes e comprar sumos, com jovens a cantar até de madrugada”.

Apesar das várias atividades diárias, havia muito tempo livre (e pouca vigilância). Muitos adolescentes aproveitavam essa liberdade para se envolverem sexualmente, iam para as camaratas uns dos outros e passavam lá as noites. “À frente do meu quarto havia muito disso, vários casais que se juntavam no mesmo sítio, até porque não existia nenhuma vigilância, nem de dia, nem de noite. Sei que existem pessoas que vão lá só por causa disso. Não fiquei chocada, mas muitos consideram um desrespeito”, relata Ana. 

Além dos quartos, havia “muitos sítios escondidos” onde era comum marcarem encontros às escondidas — mas não é segredo para ninguém. “Acredito que saibam o que acontece em Taizé, mas não há nada que possam fazer. Somos adolescentes e estamos numa fase da vida em que queremos estar com rapazes”, diz. Ana, contudo, confessa que não se envolveu com ninguém, mas sabe que, num dos dias, um rapaz passou a noite na sua camarata. 

Rita Silva, de 35 anos, também foi uma das jovens que passou uma semana com a comunidade, em 2003. Já nessa altura se sabia que aconteciam “muitas outras coisas” na comunidade, além das missas e do trabalho voluntário. “Aquilo era mesmo muito liberal, podíamos fazer o que quiséssemos. Dei uns beijos a um rapaz que conheci num autocarro. Não fiz mais nada, nem conheço ninguém que tenha feito, mas eles [os rapazes] dormiam praticamente no quarto connosco”, recorda.

Durante a semana que passou em Taizé, Rita “andei a mandar a calar pessoas na missa” — era esse o seu trabalho como voluntária. “Era um bocado desconfortável, mas conversavam muito durante a homilia e tinha de pedir silêncio”, conta.

Nos tempos livres, faziam jogos e cantavam todos juntos. Havia “uma energia muito forte”, sentida mesma por quem não é católico, como era o caso. “A minha família era muito rígida e vi ali uma oportunidade de me afastar durante uns tempos, de me soltar”, confessa.

A seguir, carregue na galeria para ver algumas fotografias dos encontros de jovens em Taizé. 

ver galeria

ÚLTIMOS ARTIGOS DA NiT

AGENDA NiT