Uma caravana, um cão e um ukelele. Isto é tudo o que precisa — juntamente com uma consciência ambiental do tamanho do mundo, que não se fica pelo pensamentos. Andreas Noe tem 31 anos, é alemão de nacionalidade e biólogo molecular de profissão. Apaixonou-se por Portugal e por cá ficou, a trabalhar e a recolher lixo nas suas viagens e tempos livres. A sua paixão é literalmente a limpar o mundo — uma praia e um país de cada vez.
Auto intitula-se TheTrashTraveler, o mesmo nome com que o pode seguir o Instagram e num canal de YouTube. Por lá, Andreas partilha as suas aventuras por Portugal e países vizinhos e a sua saga para apanhar o lixo que os outros deixam. Em apenas 117 dias, já recolheu quase 400 quilos, a grande maioria no nosso País.
Para passar a mensagem de forma o mais eficaz e positiva possível, todos os dias partilha a sua historia: sempre em modo de vídeos engraçados, sempre com uma nova música de ukulele que tem uma mensagem sobre o lixo.
Andreas quer mudar o mundo, ou pelo menos a parte que conseguir. No seu mural de Instagram, onde as fotos mostram a incrível dimensão dos resíduos alheios que vai encontrando, tenta dar um tom ligeiro à situação, quase a ironizar com o tipo, a quantidade, os locais onde as pessoas deixam lixo ou onde ele é descoberto.
Porém, o assunto é, ele sabe melhor do que ninguém, bem sério. “Não é o meu lixo mas é o meu mundo”, explica numa das suas últimas publicações, um cartaz sobre uma enorme pilha de beatas recolhidas numa praia.
À NiT, o jovem biólogo conta que quer espalhar a consciência ambiental e como a sua incrível viagem começou há apenas dois anos e meio, quando se mudou da Alemanha para Lisboa em trabalho.
“Sou um biólogo molecular e tenho trabalhado aqui [em Portugal] num laboratório”, começa por contar.
Em 2018, o jovem decidiu mudar-se para a sua caravana, enquanto mantinha o emprego de escritório. “A minha vida junto da natureza aumentou. Comecei a surfar mais, a estacionar a minha ‘casa’ em belas falésias e praias da zona de Lisboa. No entanto, em todos os lugares que estacionava, encontrava lixo”, relata Andreas.
Plástico, vidro, latas, beatas de cigarro, papel higiénico, etc.. Durante dois anos foi assistindo e acumulando frustrações. “Não estava feliz com a situação, mas nunca fiz nada contra isso e apenas pensava “caramba, tanto desperdício”. Sou vegetariano desde os quatro anos e sempre tive consciência do que comia e do que consumia, e não conseguia entender”.
Em 2019 participou no desafio mundial “julho sem plástico”, um momento que o fez pensar e questionar ainda mais: “o que estamos a fazer com o nosso planeta?”. Todos estes pontos e momentos levaram-no progressivamente a um estilo de vida mais consciente.
“No meu emprego, não conseguia encontrar satisfação para o meu coração de ativista ambiental, por isso, decidi começar a fazer algo por nós e pelo nosso planeta”. E assim nasceu o TheTrashTraveler.
“Sempre tive uma mente criativa, mas não conseguia libertá-la nos empregos que tive. Comecei a viajar e apanhar resíduos nas praias e à sua volta”, explica-nos.
Até agora já apanhou 392 quilos, em 122 dias. Mas como “apenas uma pessoa não tem um impacto significativo”, teve de encontrar uma solução para espalhar a mensagem. Foi então que decidiu publicar diariamente uma nova música divertida com o seu ukulele, combinada com um vídeo com a tag #trashtag, procurando alertar consciências com diversão e espírito positivo.
E explica-nos o porquê. “Eu pensei: de que forma chego a mais pessoas? A apontar o dedo? ‘O senhor aí, deitou lixo no chão, tem de apanhar!?? Não acho que isso leve as pessoas a pensar no problema; se as pusermos à defesa não chegamos à sua mente”, diz.
No entanto, acrescenta: “Se eu tentar alcançar pessoas com uma atitude positiva, com humor, com uma maneira respeitadora de transmitir a mensagem sem julgar, acredito que estejam abertas para receber informações e abertas a mudanças”.
E resultou. “O caminho do humor está a chamar mais atenção. Fico feliz se as pessoas rirem de mim. Se eu repetir mil vezes de uma maneira divertida que uma beata de cigarro é plástico, acredito que fica muito mais retida na cabeça de quem ouve”.
Hoje em dia, Andreas não vive do projeto (ainda), mas encontrou a sua missão. “Neste projeto posso combinar todas as minhas alegrias: biologia, meio ambiente, sustentabilidade, viagens, caravanismo, criatividade, mundo digital e música. Se eu pudesse ganhar a vida com isto, teria encontrado ou criado o emprego dos meus sonhos”.
Ainda não chegou lá. “Até o momento, não tenho patrocinadores, mas essa é uma grande tarefa para 2020. Todo o projeto é baseado nas minhas economias dos últimos anos. Estou a planear solicitar financiamento e tentar conversar com empresas e organizações ambientais para cooperação. Como tenho recebido um feedback tão bom, não quero parar agora”.
A todos os níveis, 2020 vai ser o ano do salto. “Até agora, eu estava apenas a viajar rapidamente por França e Espanha (cerca de oito dias de todos os 122 do projeto), mas a maior parte do tempo foi passado em Portugal, que se tornou minha casa nos últimos anos”. Para o futuro, já escolheu a sua base: Lisboa. Mas planeia viajar para o sul da Espanha ainda em janeiro e passar para Marrocos em fevereiro.
“Quero ver a situação do lixo noutras culturas e aprender o que podemos fazer no futuro. Reuni-me com organizações ambientais em Marrocos para obter uma visão geral da situação deles e de quais projetos podemos desenvolver juntos. Viajar é lindo, mas eu preciso de um propósito para viajar. Portanto, tentar devolver algo à nossa natureza também fora da Europa será emocionante”.
Quando lhe perguntamos quais os desafios e preocupações, a resposta é fácil: “Lixo sem fim”.
“Todos os dias vejo a quantidade de lixo e plástico que podemos encontrar na natureza e quase perco a esperança. Às vezes, eu conduzo horas na natureza, em direção a um lugar bem longe da civilização. Pensando no meu projeto e como seria não encontrar lixo para fazer um vídeo. Mas a humanidade é tão incrível que, mesmo nos lugares mais bonitos e solitários, encontro lixo. O que é mesmo triste”.
Quanto à mensagem que quer passar e à esperança, Andreas é peremptório: “Todos podemos mudar um pouco para nós, se tentarmos viver e comprar de forma mais sustentável. Recusando comprar o máximo possível de embalagens e plástico descartável, os supermercados e as empresas também precisam de agir”.
E pede mais: “Não deixe rastos, mesmo que não seja seu — preocupe-se com o seu ambiente, se puder apanhe e ponha no lixo. Converse com amigos e familiares sobre o problema do plástico: ‘precisamos mesmo de levar esta banana num saco de plástico’?”
O biólogo acredita que, se apenas mais uma pessoa souber e falar sobre estas pequenas coisas, é grande a hipótese de que essa pessoa também ajude a espalhar a notícia. “Seria uma bela reação em cadeia sem fim, num mundo ideal. Enfrente o problema de resíduos e poluição com positividade e debate — e não com apontamentos”, frisa.
Além de tudo isto, Andreas revela à NiT um último sonho, ou projeto: chegar às crianças. “Um trabalho de amor seria chegar às escolas e realizar divertidas aulas sobre plástico e resíduos”.
O viajante acredita que uma solução importante para o futuro é a educação. “Adoro trabalhar e estar com miúdos e jovens. Com a minha abordagem positiva e de mente aberta, acredito que também as crianças se divertiriam a colecionar plástico e cantar músicas sobre o tema”.
Mais uma vez não se limita a pensar: está a agir. “Estou a desenvolver um plano de ensino e espero testá-lo em alguma escola”. Na Alemanha, frisa, já existe um projeto semelhante, a avançar em testes.