Viagens

Viagens Top. A agência que já burlou vários portugueses em mais de 100 mil euros

Dezenas de clientes pagaram o pacote de férias e descobriram que nem sequer constavam nas listas de passageiros dos voos.
Muitos iam para Varadero.

Patrícia Lima, de 46 anos, só queria passar umas férias descansadas em Varadero, Cuba. No entanto, a viagem, que deveria ser um sonho, transformou-se num verdadeiro pesadelo. 

O voo estava agendado para o dia 31 de agosto, um sábado, mas a psicóloga criminal da Costa da Caparica percebeu poucos dias antes que não iria viajar. O seu nome, assim como o de amigos e familiares que tinham feito as reservas em janeiro, não constavam na lista de passageiros.

Nesse momento, percebeu que era uma das inúmeras vítimas da burla perpetrada pela Viagens Top, registada em nome de Bruno Florindo. 

Patrícia ficou em estado de choque, tendo em conta que era cliente da agência há mais de oito anos e conhecia pessoalmente o proprietário. Apesar das várias contestações e testemunhos de casos idênticos publicados no Portal da Queixa sobre a empresa, nunca lhe tinha acontecido nada do género.

“Sempre foi muito atencioso e prestável, ajudando mesmo fora de horário, até aos fins de semana, se fosse necessário. Há cerca de 15 dias deixou de o ser”, relata à NiT. Patrícia e outras 11 pessoas que iriam embarcar com destino a Varadero, a 31 de agosto, ficaram em terra, sem qualquer esclarecimento ou reembolso.

Este não foi um caso isolado: outras pessoas também foram lesadas, incluindo 17 que tinham reservado uma viagem para Punta Cana, um casal que planeava uma lua-de- mel nas Maldivas, quatro clientes que pretendiam viajar para Cabo Verde, e uma dupla que estava ansiosa por embarcar num cruzeiro, também em agosto. Todos receberam uma mensagem de Bruno Florindo, dono da agência registada com o nome fiscal Detalhes Memoráveis, a anunciar que estava a ser alvo de um processo de insolvência. Porém, a CNN Portugal confirmou que se trata de uma afirmação falsa.

No total, os clientes lesados gastaram aproximadamente 100 mil euros nas suas reservas. O pacote de férias de Patrícia, que incluía seguro, custava cerca de 1.300€. Até agora, nenhum deles foi reembolsado. “Nunca tinha consultado os comentários no Portal da Queixa, pois sempre tinha tido boas experiências. Mas agora, tudo mudou”, admite. A situação começou a parecer suspeita quando, uma semana antes do embarque, não recebeu o habitual e-mail com as informações do voo.

Quando fez a reserva, em janeiro, parecia estar tudo certo. O responsável enviou-lhe um voucher a confirmar as reservas do voo e do hotel, “como fazia habitualmente”. Contudo, ao não ser contactada uma semana antes da partida, Patrícia decidiu enviar uma mensagem pelo WhatsApp solicitando a documentação necessária. 

“Ia entrar de férias e queria imprimir os documentos, porque gosto de ter sempre cópias físicas”, explica. Para sua surpresa, Bruno alegou que não poderia enviar as informações devido a uma greve na antiga Groundforce, que poderia resultar no cancelamento dos voos nesse fim de semana. Patrícia estranhou a desculpa, pois a paralisação só deveria afetar as ligações da TAP. O seu grupo iria embarcar num voo operado pela Orbest, uma empresa espanhola.

“Nunca tinha vivido uma situação assim. Depois, Bruno enviou outra mensagem a dizer que operadoras como Soltour, Solférias e Soltrópico também esperavam confirmação sobre a hora do voo e, que assim que soubesse, me diria. Mas isso nunca chegou a acontecer”, recorda.

Já desesperada para entender o que estava a passar, tentou contactar a Veturis, a empresa espanhola que vendeu o pacote à Viagens Top, mas esta apenas comunicou que só trabalha com operadores turísticos. Nessa altura, percebeu que muitos outros clientes enfrentavam a mesma situação, alguns esperavam há meses pelo reembolso.

“Agora só compra os pacotes através da Veturis, e não em Portugal. E, conforme vai comprando, deve cancelar imediatamente, pois há um prazo de 24 horas para isso”, supõe Patrícia. Sem obter informações ou esclarecimentos, dirigiu-se à morada fiscal da empresa, localizada na Ramada, Odivelas, descobrindo que Bruno não reside ali há seis anos.

“Vendeu a casa a um senhor que tem um saco cheio de cartas endereçadas à empresa, porque a morada fiscal ainda não foi alterada. Entretanto, tentei entrar em contacto com a mulher dele, que também conheço, que me voltou a dizer que a empresa está a ser alvo de um processo de insolvência e que o gestor entrará em contacto brevemente”, afirma.

A mensagem da mulher.

Contudo, isso revelou-se uma farsa. “Não existe gestor nem processo de insolvência. Fizemos uma transferência de 1€ para verificar se ele ainda recebia dinheiro e recebia. Se estivesse em insolvência, a conta estaria bloqueada e o site não estaria ativo”, salienta. “É simplesmente uma burla”, afirma.

Toda a situação denota uma aparente premeditação. “Teve a audácia de ir ao WhatsApp e apagar os vouchers da reserva, como se não fôssemos perceber. Isso já é um ato de má-fé, uma burla meticulosamente planeada”, sublinha.

Atualmente, o que os clientes prejudicados desejam é reaver o seu dinheiro. “Não queremos nem mais, nem menos. Apenas queremos o que pagámos”, destaca.

Filipa Magalhães, que também reservava viagens com a agência há quatro anos, confirmou à NiT que se encontra na mesma situação. “A minha burla é semelhante, mas o valor é inferior por se tratar de uma viagem para quatro pessoas. Tenho familiares que também foram lesados”, confirma.

Patrícia já apresentou queixa junto da polícia e contactou advogados para resolver o assunto o mais rapidamente possível. Além disso, adianta que vai tentar saber mais informações junto da ASAE e do Turismo de Portugal que, segundo diz, “é também um dos responsáveis”. 

Nas faturas que comprovam o pagamento, existe uma nota indicando que “para a resolução de conflitos de consumo, deve ser contactada a comissão arbitral do Turismo de Portugal”, que é a entidade responsável pelo registo de agências. A Viagens Top está inscrita desde 2017 e, após ter duas lojas físicas, passou a operar exclusivamente online a partir de 2020.

O Turismo de Portugal, que já recebeu várias queixas contra a agência, revelou à CNN Portugal que a fiscalização é da responsabilidade da ASAE. Por sua vez, a autoridade já confirmou que recebeu vários depoimentos sobre o operador e está a investigar o caso. 

Até ao momento, o site da agência continua ativo e ainda é possível solicitar orçamentos de viagens. A NiT tentou contactar o empresário por telefone, mas, como tem sido habitual nos últimos dias, ninguém atendeu a chamada.

ÚLTIMOS ARTIGOS DA NiT

AGENDA NiT