Já lá vão mais de 20 anos desde que Catarina Leonardo entrou, pela primeira vez, num avião. A algarvia Kate, como gosta de ser chamada, tinha 19 anos quando teve contacto com o maravilhoso mundo das viagens e da partida à descoberta do mundo. Nunca mais parou. Anos depois, ganhou coragem e despediu-se, para fazer das viagens profissão — e, mais importante, para fazer disso vida.
Hoje, Catarina tem 40 anos, é casada, tem uma filha e é em família que mais viaja. Anda pelo planeta há 20 anos e já conheceu cerca de 50 países. Nos últimos cinco anos tem partido de mochila às costas com o marido Ricardo e a pequena Maria, que viaja com os pais desde que tem dois meses.
Entretanto, realizou um sonho antigo, ao fundar a Associação de Bloggers Viagem Portugueses, da qual é também vice-presidente. É, ainda, para o “influence.co“, uma das melhores influenciadoras nacionais.
Pelo meio, criou Wandering Life: um blogue com histórias e dicas, que tem também um Instagram com fotos incríveis e que é no fundo um projeto de vida, que ainda vai crescer. À NiT, e depois de regressar de mais uma viagem de mochila às costas pelo Vietname e Tailândia, onde passou “a época de festas em locais onde o Natal nem é comemorado“, conta-nos tudo o que tem em vista para inspirar outros a fazerem o mesmo.
“Fui consultora durante 14 anos mas nos últimos tempos em que estava a trabalhar desta forma ‘normal’ comecei verdadeiramente a questionar o rumo da minha vida profissional. Sentia um desejo enorme de me dedicar a uma outra coisa, algo que me desse mais tempo e mais liberdade. Quando engravidei e tive a minha filha tive a certeza de que era o momento certo”, começa por nos explicar.
“Despedi-me sem saber muito bem o que ia fazer a seguir, acreditando que apenas precisava de algum tempo para refletir. E tornou-se muito claro para mim que me queria dedicar às viagens que fui sempre fazendo, e a fazer disso uma profissão”. Foi assim que, em junho de 2016, surgiu o blogue de viagens, Wandering Life.
Recentemente, Catarina começou também a organizar instameets em Lisboa, sobre o tema. Em março vai começar a ter workshops com um conceito inovador em Portugal: “Vamos viajar com as nossas crianças de forma independente?” é um deles, bem como uma Masterclass: “Vamos marcar uma viagem de forma independente?”
Diz querer ajudar as famílias a descomplicar e a viajarem mais. Pode saber mais sobre os workshops e instameets online, onde também se consegue inscrever.
A NiT entrevistou Catarina Leonardo, 40 anos, nascida em Faro e casada com Ricardo Fonseca, 37 anos e nascido na Guarda, piloto numa linha aérea. Spoiler alert: tudo o que precisa saber sobre uma viagem ao Vietname, ainda para mais com um miúdo pequeno, está aqui.
Como se conheceram, a Catarina e o Ricardo? É verdade que foi numa viagem?
Um dia o meu primo Pedro desafiou-me a ir à Jamaica. Depois de eu ter dito que sim, convidei uma amiga com quem já costumava viajar e ele um amigo que tinha sido colega de escola e que tinha revisto à meia dúzia de dias. Era o Ricardo. Passado umas semanas lá partimos e ao fim de quase um mês de passeio pelas Caraíbas já nos tínhamos apaixonado. Algum tempo depois de termos voltado a Lisboa começámos a namorar. E até hoje.
Individualmente, sempre gostaram de viajar? Já o faziam muito?
Qualquer um de nós gosta imenso de viajar e já viajávamos há algum tempo quando nos conhecemos. Eu andei de avião pela primeira vez aos 19 anos, quando fui a Itália, e desde aí não parei. Viajei alguma coisa com os meus pais, depois amigos e também sozinha, como aconteceu com Roma ou Banquecoque.
E como casal, quando começaram a viajar?
Logo quando começámos a namorar fomos passar uns dias a Barcelona e meses depois fomos dar uma volta à Alemanha e Áustria. Fomos ter com um primo meu que na altura estava em Munique e a partir de Munique visitámos cidades como Berlim e Salzburgo.
Como surgiu esta viagem que fizeram no final de 2019, à Ásia?
Quando percebemos que tínhamos conseguido juntar seis semanas para viajar (o Ricardo tirou uma licença sem vencimento), tanto eu como o Ricardo tínhamos noção de que queríamos ir para a Ásia. É um continente fascinante para ambos e nem pensámos duas vezes.
Como levávamos a Maria [agora com cinco anos], pesquisámos por locais onde não houvesse risco de malária e outras doenças que nos parecessem um pouco mais graves. Daí surgiram várias zonas e uma que saltou logo à vista foi o norte do Vietname. Eu já tinha ido a esse país há uns anos na parte sul e todos me diziam que o norte ainda era melhor. Começámos então a ler toda a informação que encontrámos na internet sobre aquela zona para perceber se valia a pena e concluímos que sim.
Porquê este destino?
Do que pesquisámos a zona norte do Vietname parecia ter paisagens deslumbrantes, muito verdes e montanhosas e ainda parecia manter a sua autenticidade. Isso é algo que nos fascina e que nos move nas viagens cada vez mais. Quero muito descobrir zonas remotas onde não se vê aquele turismo de massas e temos contacto com as pessoas locais e os seus hábitos e cultura.
Como foi o planeamento e quando decorreu?
A partir do momento em que decidimos que seria o norte do Vietname para onde íamos, começámos a ler tudo e mais alguma coisa sobre esta região. Vimos atentamente o mapa dessa zona e pesquisámos por zonas concretas, tal como Hanói, Sapa, Halong, Ha Giang, Ninh Binh. De Hanói, Sapa e Halong encontrámos vários artigos com partilha de experiências e dicas de viagem mas dos restantes locais não, o que nos levou a acreditar que seriam zonas ainda pouco conhecidas. E o interesse só aumentou.
Com base em tudo isso elaborámos um plano, com um conjunto de locais que queríamos visitar. Queríamos ir a Hanoi, Halong, Sapa, Ninh Binh e Ha Giang. O norte é gigante e como gostamos de viajar devagar, ver tudo com calma, optámos por não ir mais para sul.
Saímos então de Lisboa com este objetivo mas sem ter nada marcado, nem sequer a primeira noite em que chegávamos a Hanói. Tanto eu como ele gostamos de sentir essa liberdade de ficar mais tempo num local que gostamos ou ir para outro se não gostamos. Ter noites marcadas condiciona imenso.
Há uns anos atrás marcava as noites todas para não ter esse trabalho em viagem, mas por mais que se prepare uma viagem, não é a mesma coisa do que estar lá e perceber se gostamos de estar num determinado sítio ou não. E por isso temos viajado assim há uns três ou quatro anos.
E depois, como foi a aventura?
O que deu uma boa dose de aventura foi o facto de termos feito a viagem de mota. Em toda a viagem não vimos ninguém a viajar como nós. Casais sim mas famílias de três, com uma criança pequena…. nenhuma. Os habitantes que nos viam subir para a mota com as duas mochilas que levámos (uma de 60 litros e outra de 90) até vinham muitas vezes ter connosco admirados por nos conseguirmos equilibrar com tanta tralha.
A primeira vez que enfrentámos o desafio não foi fácil, porque não sabíamos muito bem como poderíamos colocar as mochilas. Experimentámos várias maneiras diferentes e chegámos à conclusão de que eu tinha de levar a mochila de 90 litros às costas (apoiada claro), na parte mais atrás da mota e a Maria tinha de levar à frente, na parte mais perto do volante a outra mais pequena com 60 litros. Ao fim de tantos dias o lego já se montava rapidamente
Pelo facto de termos andado de mota tivemos uma liberdade enorme de horários, partíamos quando queríamos, era liberdade total. Mas claro que andar de mota não é muito confortável, pelo menos nas condições em que nós estávamos a viajar, e tínhamos de parar várias vezes para descansar e esticar as pernas e as costas. A mota era tipo “acelera”. Precisávamos de um espaço na frente para a Maria alternar a posição sentada e em pé e também para colocarmos a mochila e por outro lado, queríamos uma mota que andasse devagar. Somos aventureiros mas não irresponsáveis.
Os primeiros dias foram para explorar Hanói, obter algumas informações e para arranjar um sítio que alugasse motas. Na zona antiga lá arranjámos tudo o que precisávamos. Falámos com vários locais que estavam a vender pacotes de férias para obtermos dicas que só quem é da terra conhece.
Partiram com todos os locais planeados ou foram improvisando?
Fomos primeiro a Halong, depois Sapa, Ninh Binh e finalmente Mai Chau. Ha Giang tivemos de deixar de ir porque a previsão lá era sempre de chuva, o que não é muito interessante, ainda para mais de mota que se torna super perigoso. Mas nos dias que tínhamos destinando a Ha Giang fomos a Mai Chau, que nunca tínhamos ouvido antes de falarmos com uma das agências de Hanói. Foi uma rapariga que nos falou de um local onde poucos vão porque normalmente estão a viajar com pouco tempo e priorizam Sapa e Halong por exemplo e seguem logo para sul. E ainda bem que deu a dica, porque vale mesmo a pena.
Que sítios vos marcaram mais?
Eu gostei muito das aldeias remotas de Sapa e de Mai Chau. Em várias delas fomos visitar escolas e marcou-me imenso o contacto com a forma difícil como muitas crianças vivem. E ter a minha filha comigo ainda tornou mais intensa a experiência. Ela já se encontra no pré-escolar e adorou visitar as escolas, interagir com crianças de idades próximas à dela e assistir a algumas atividades que estavam a decorrer nas salas de aulas.
Que aspetos de uma viagem destas destacam?
Uma das coisas que me surpreendeu nesta viagem foi a simpatia das pessoas, porque já me tinham falado que eram um pouco fechadas. Já aprendi a não ir com preconceitos porque a experiência de cada um é muito diferente, mas não pude evitar lembrar-me. Quando estávamos a passar de mota nas povoações acenávamos a todas as pessoas e elas sorriam ou acenavam de volta.
Talvez pelo facto de verem uma criança tenham tido outro comportamento mas foi incrível perceber que mesmo aquelas pessoas mais sisudas e sérias mudavam de semblante e ficavam mesmo contentes por nos ver. Ao longo de toda a viagem pensei bastante sobre isto. É perigoso julgar alguém à primeira vista.
Quais os pontos mais positivos desta aventura, e que a fazem querer recomendá-la a outros?
Adorei ter estado em locais mesmo remotos em que muitas pessoas diziam nunca ter sequer ouvido falar de Portugal. Isto permitiu ter uma experiência autêntica, super rica, pelo contacto com outras formas de viver. Ter partilhado isto com a minha filha eleva este ponto positivo a outra dimensão. Quero muito mostrar-lhe o mundo, todas as diferenças que existem de religião, de cultura, de vida e fazer-lhe perceber que todos eles merecem o nosso respeito.
E os lados negativos?
Pelo facto de termos andado tanto tempo de mota e termos feito algumas viagens um bocado extensas estávamos mesmo cansados. Este meio de transporte é fantástico pela liberdade que permite mas três pessoas, sendo uma delas uma pequena super irrequieta, deu-nos alguns momentos um pouco tensos. E claro que a condução dos vietnamitas ser absolutamente louca não ajudou. Eles conduzem como estivessem sozinhos na estrada, é preciso ter mesmo muito cuidado e dar uma margem de vários metros de segurança. Nunca sabemos quando um carro se atravessa à nossa frente.
Como é viajar com uma criança? Quais as principais vantagens?
Eu adoro viajar com a minha filha Maria. Gosto de estar muito tempo com ela e de partilhar a experiência de chegar a um local novo para ambas e de sentir que ela já quer ajudar a fazer coisas, tal como pedir o bilhete de autocarro ou pagar as despesas por exemplo. Ela já cinco tem 5 anos e é com imenso orgulho que constato que ela é super desenrascada e tem uma capacidade de adaptação incrível, não estranhando os diferentes contextos em que já esteve.
Mas como qualquer criança da idade dela está numa fase de afirmação de personalidade, em que acha que sabe e que tem de ser à maneira dela, o que criou momentos muito tensos em situações que não vêm nada a calhar. Mas no fundo podia acontecer aqui em Portugal, é igual. Em viagem é preciso integrá-la sempre nas atividades do dia a dia, para se sentir motivada. Por exemplo, sempre que andávamos de mota ela era responsável pela buzina, o que fazia com que estivesse sempre atenta.
Quais os principais desafios de viajar com ela?
Viajar com uma criança é sempre desafiante porque é preciso gerir as expetativas dela e motivá-la e ao mesmo tempo ser capaz de procurar transporte, restaurante, andar imenso a pé e tratar de todas aquelas coisas que precisamos de fazer quando se viaja de forma independente como nós. Uma das preocupações que tenho agora é ter sempre comida comigo, pequenos snacks como fruta, frutos secos ou bolachas, e procurar com alguma antecedência um restaurante ou zona para comer. Antes comia apenas quando tinha fome, agora faço as refeições a horas mais “certas”.
Quanto à dormida dou muito mais importância ao silêncio de uma alojamento. Não é preciso ser um hotel caro, mas as críticas têm de me assegurar que não há barulho logo a seguir ao jantar. Para ela estar bem, precisa de ter uma boa noite de sono. Claro que nós também, mas vamos mais tarde dormir.
A que locais ela já foi? E qual o feedback dela?
Desde que começou a viajar aos dois meses já esteve em imensos locais e já vai no terceiro passaporte! Já estivemos juntos na África do Sul, Indonésia, Argentina, Cabo Verde, 10 vezes no Brasil, seis em Cabo Verde, duas em Marrocos, Tailândia, Eslovénia, Noruega por exemplo.
Como ela viaja desde cedo está bastante habituada e acha que é tudo normal, comum, por isso ainda não tem bem noção de que é uma felizarda e que nem todos os meninos viajam tanto. À medida que ela está a crescer tem começado a questionar coisas como a religião ou a pobreza o que me dá a entender que está mais desperta e interessada por estes temas. Tal como eu ou o pai, está sempre a querer ir mais vezes, sempre a querer saber quando vamos novamente estar juntos a viajar.
Como gerem a vida escolar?
A Maria foi para a escola quando já tinha três anos e só da parte da manhã e só desde o ano passado é quer fica mais algum tempo, até ao lanche. Até agora temos ido viajar sempre que temos tempo livre e não ligámos muito à altura em que está na escola. Mas esse registo está a mudar, pelo que temos mais atenção à definição de datas. Este ano sabemos que não podemos ir no fim de maio para ela ir à viagem de fim de ano e em setembro porque é a reentrada na escola e para ela é importante conhecer logo os novos amigos, mesmo que depois falte.
Que aventuras destacam, de todas as que viveram até agora?
Das coisas mais giras que temos feito ultimamente foi a viagem em que ficámos numa ilha nas Maldivas, sem resort nem grandes hotéis, apenas população local. Chama-se Ukulhas e recomendo a todos os que gostem deste estilo de viagem. Foi uma temporada calma, em que vivemos na comunidade local, em que a minha filha brincou na praia com meninas de lenço na cabeça. Guardo memórias fantásticas daquelas semanas.
A roadtrip na Eslovénia que fizemos de caravana foi super gira, nunca nenhum de nós tinha viajado daquela forma. Tínhamos uma “casa de brincar”, a Maria adorou. De carro mas também roadtrip quando andámos na África do Sul. Fizemos milhares de quilómetros junto à costa, tendo sido o ponto alto os dias que passámos sem qualquer guia, numa reserva natural a ver animais. Foi memorável ver leões e elefantes tão perto da janela do nosso carro.
Os passeios de mota por Bali ou pelo Vietname foram aventuras que marcaram também principalmente pela liberdade do transporte e pelos locais onde mais remotos onde conseguimos ir.
Nestes passeios pelo mundo, conhecem normalmente muitas pessoas?
Temos conhecido muitas pessoas ao longo destes últimos anos o que tem enriquecido imenso as nossas viagens. Desde empregados de restaurantes, de cafés, pessoas a quem perguntamos indicações na rua ou com quem temos partilhado meios de transporte, pais de outras crianças com que a Maria brinca. Por isso gosto tanto de viajar desta forma, livre. Só assim me posso demorar com estes amigos que faço na estrada.
Como conseguem financiar as aventuras?
Nós os dois somos poupados e temos sempre dinheiro guardado para fazer estas viagens. Em alguns países tenho também conseguido fazer parcerias com empresas locais, de alojamento ou de tours.
Como lidam com as redes sociais? É um bom modo de mostrarem as vossas aventuras, o feedback é positivo, interagem?
Eu estou muito presente nas redes sociais e gosto de partilhar as minhas experiências, muito para inspirar outras famílias a perceberem que está ao alcance de qualquer um fazê-lo. Viajar não é uma coisa de ricos, há imensas formas de o fazer e tudo é possível desde que seja a nossa prioridade. Se não conseguirmos ir para longe podemos ter a mesma atitude para locais mais perto. Foi esta ideia de partilha que fez surgir os workshops que comecei a dar. É preciso mostrar que viajar com crianças não é assim tão complicado…
O feedback tem sido bastante positivo, há imensas pessoas que entram em contacto comigo a partilhar também as suas experiências e muitas outras a colocarem dúvidas e questões sobre esse tema. Eu procuro responder a tudo. Já viajo há 20 anos de forma independente, cinco dos quais com uma criança e quero mesmo muito ajudar outras famílias a descomplicar.
O que sugerem a quem vai partir ?
Se vão viajar em família levem imensa paciência e flexibilidade, vão acontecer muitos imprevistos e o dia que previmos não vai acontecer. Mas com crianças é sempre assim não é verdade? Mas todas as alegrias que essa partilha em família nos traz faz com que valha tudo a pena.