Europa

O enigmático complexo com prédios de habitação que parece um amontoado de estrelas

Os apartamentos têm ângulos agudos, cantos invertidos, terraços em cascata com jardins cheios de vegetação.
Parecem uma estrela.

Quando a imaginação leva à expansão dos limites e das regras da arquitectura, o resultado são estruturas tão belas quanto bizarras. Se pensa que já viu de tudo um pouco, pelo menos em termos arquitetónicos, desengane-se. Há por aí muitos edifícios peculiares que mostram que a criatividade humana — neste caso, dos arquitetos — não tem mesmo limites. Um desses exemplos fica em França e é conhecida como Cité des Étoiles (Cidade das Estrelas). Foi esse o nome dado aos prédios que o arquiteto francês Jean Renaudie desenhou em Ivry-sur-Seine, perto de Paris, e na cidade de Givors, perto de Lyon. Basta olhar para as fotografias para perceber o motivo: as estruturas têm a forma de uma estrela.

No início dos anos 60, com o crescimento das necessidades de habitação social em muitas cidades francesas, muitas autarquias optaram por investir em projetos com soluções inovadoras. Um dos desenvolvimentos mais extraordinários realizados neste período foi a reconstrução do centro de Ivry-sur-Seine, onde os arquitetos Jean Renaudie e Renée Gailhoustet introduziram tipologias altamente originais que ainda hoje surpreendem.

A reforma do centro de Ivry foi uma resposta à necessidade urgente de habitação em Paris no pós-guerra. Gailhoustet tornou-se a arquiteta principal do plano de urbanização em 1969 e, com Renaudie, decidiu criar algo diferente que fugisse ao design residencial tradicional.

A estrutura foi construída entre 1969 e 1975 na avenida Georges-Gosnat, no centro da cidade francesa. O resultado foi um complexo com ângulos agudos, cantos invertidos, terraços em cascata e paredes geométricas intrincadas que se destacam na paisagem urbana devido à vegetação que vai quase até à rua. Os ângulos de 45 graus aumentam a luminosidade interior e permitem que cada alojamento seja único e tenha um terraço privado, que se confunde com um jardim autêntico.

Devido ao design pouco convencional, os telhados dos apartamentos formam um terraço triangular, com um jardim na cobertura que é visto apenas por quem está nos andares de cima. Cada um desses pequenos jardins contém uma profundidade de solo suficiente para cultivar árvores, por exemplo. Funciona quase como se o próprio edifício fosse uma colina verde.

Terminado o projeto — e após ter morado algum tempo num dos apartamentos — Renaudie explicou: “Essas formas, essa organização geométrica, oferece-nos muitas possibilidades de inovação na organização do espaço vital. Para dar um exemplo simples, a utilização de planos diagonais permite que os apartamentos de pequenas dimensões aparentem ser maiores do que são (como se trata de um projeto de habitação social, alguns têm apenas 15 metros quadrados)”.

Os três edifícios projetados por Renaudie e Gailhoustet foram nomeados em homenagem a figuras da resistência francesa de vários períodos da história: Jeanne Hachette; Danielle Casona e Jean-Baptiste Clément. O empreendimento é composto por 40 alojamentos, escritórios e lojas que estão conectadas por um sistema de ruas públicas e privadas. Existem, por exemplo, rampas em todo o complexo e uma rede de corredores na circulação entre os edifícios. Atualmente, já existem muitos complexos que incluem tudo isto, mas, nos anos 70, quanto este modelo começava a ser implementado em várias cidades, um empreendimento com apartamentos de um lado e escritórios do outro era bastante vanguardista.

Este tipo de arquitetura é conhecida como brutalismo, um estilo que dá destaque aos materiais, texturas e construção e produz formas altamente expressivas. O movimento foi desenvolvido por arquitetos modernos em meados das décadas de 1950 e 1960 e nasceu precisamente no período de reconstrução das cidades dos países europeus após a Segunda Guerra Mundial.

O tamanho excessivo, as fachadas frias com pequenos adornos e as fortes formas geométricas fizeram com que, durante décadas, estas construções fossem adoradas por uns e odiadas por outros. A arquitetura brutalista ganhou esse nome através da expressão francesa “béton brut”, que significa betão em bruto.

Renaudie e Gailhoustet pertenceram a uma geração de arquitetos com uma visão ilimitada de como o espaço pode ser imaginado e construído. Este projeto de habitação social acabou por ser pioneiro e servir de exemplo a outras experiências de construção, sobretudo no setor público. “No setor privado, existiam mais reticências relativamente à inovação porque tinham medo de perder dinheiro, mas no setor público, muitas vezes encontramos pessoas muito abertas”, disse Gailhoustet numa entrevista em 2018.

Este complexo em Ivry não foi o único a ser construído com este formato. Em 1974, o arquiteto Jean Renaudie propôs à cidade de Givors um projeto “um pouco maluco”, também em forma de estrelas. Com base no modelo de Ivry -sur-Seine que o tornou famoso, as estrelas crescem no sopé da colina de Saint Gérald. Os 207 apartamentos, cada um com um pedaço de uma estrela, foram inaugurados após seis anos de trabalho, em 1981.

Como lá chegar

Apesar de ter sido construída já há algumas décadas, há quem visite a cidade de Ivry para ver de perto esta obra de arte. Para lá chegar, o mais fácil é voar até ao Aeroporto Orly, em Paris. Com partida de Lisboa, encontra bilhetes de ida e volta desde 75€.

Assim que aterrar, é só apanhar o autocarro e sair na paragem de Denfert-Rochereau — Métro-Rer. A viagem demora cerca de 25 minutos.

A seguir, carregue na galeria para conhecer melhor estes complexos em forma de estrela.

ver galeria

ÚLTIMOS ARTIGOS DA NiT