Em Amarante, poucos são aqueles que não conhecem a Casa da Calçada, um precioso legado arquitetónico que ainda hoje faz parte da paisagem da cidade. Mais do que um hotel de luxo, é “um lugar de memórias, liberdade, espírito livre e visão humanista”. Afinal, foi nesta casa fidalga que se “conspirou o início e a restauração da República e se venerou o vinho”.
Para contar a sua história, é preciso recuar ao século XVI, altura em que o edifício foi construído para ser um dos principais do palácio do Conde de Redondo. Durante as invasões francesas, o espaço desempenhou um papel fundamental na defesa de Amarante, mas acabou por ser destruído pelo fogo. Podia ter significado o fim da história, no entanto, a família Pereira do Lago investiu na reconstrução do edifício.
Foi lá que, em 1880, nasceu António do Lago Cerqueira, um dos mais relevantes líderes políticos da Primeira República, que foi também presidente da Câmara Municipal de Amarante de 1911 a 1917. Contudo, não foi só na política que se fez notar. Depois de ter deixado o País por motivos políticos, Lago Cerqueira foi viver para Paris, onde frequentou um curso de vitivinicultura.
Quando regressou a Portugal, deu início à produção de vinho na Casa da Calçada, transformando por completo a propriedade e os seus jardins, tal como as vinhas. “Fomos pioneiros na maneira como se faz o vinho verde e foi mesmo a primeira vinha registada de vinho verde”, adianta Daniel Mariz, diretor de operações da Amazing Evolution, empresa gestora do hotel.

A casa tornou-se, também, ponto de encontro para políticos e intelectuais do século XX, entre os quais o pintor Amadeo de Souza-Cardoso e o poeta e filósofo Teixeira de Pascoaes.
Já na década de 60, a propriedade foi comprada pelo empresário fundador da Mota-Engil, Manuel António da Mota, que fez dela um dos seus grandes projetos de vida. Não se deixou intimidar por todo o trabalho que tinha pela frente e trabalhou para recuperar o edifício, preservando tudo aquilo que era passível de restauro.
Na hora da sua morte, deixou à filha, Paula, e aos irmãos, a enorme tarefa de concretizar um dos seus sonhos: transformar a casa num hotel de cinco estrelas. E assim foi. “Não se tratava apenas de concluir um projeto, mas de realizar um sonho paterno, que o patriarca havia projetado e onde planeava celebrar os 50 anos de vida da, então, Mota & Companhia, empresa da família”, refere. Morreu em 1995, antes de ver o sonho realizado, mas a filha cumpriu-o.
O “palacete-relíquia tão encantador quanto a cidade de Amarante” começou a receber hóspedes em 2001, integrando desde 2004 a associação internacional de unidades hoteleiras de luxo Relais & Châteaux. “Desde essa altura que se tornou uma referência na hotelaria e na gastronomia portuguesa, com um restaurante com estrela Michelin praticamente desde a sua abertura”, sublinha.
Aberta ao público há mais de 20 anos, a unidade hoteleira encerrou em 2023 para obras de renovação. “Após a Covid-19 sentiu-se uma necessidade de fazer um refresh, já estava a necessitar de uma intervenção mais profunda, aliada à necessidade de construir um spa de raiz, algo que ainda não tínhamos”, explica o responsável.
Depois de dois anos de obras, a Casa da Calçada reabriu ao público em soft opening no dia 15 de abril. O edifício, conhecido pelo seu legado arquitetónico e cultural, sofreu alterações estruturais e conta agora com um interior totalmente renovado.
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O projeto de reabilitação, que representou um investimento de 15 milhões de euros, tem a assinatura do arquiteto Pedro Guimarães e da designer de interiores Pilar Paiva de Sousa. A decoração foi também alterada e fez-se uma “abordagem completamente diferente”, mas sempre com o cuidado de manter os seus traços originais.
O hotel renasce agora com um total de 35 quartos de diferentes tipologias — mais cinco do que anteriormente —, incluindo uma Family Suite e um quarto Panoramic River View, com vista para o rio. Com uma enorme ligação ao vinho, a oferta gastronómica é, também, um dos destaques da Casa da Calçada.
Os hóspedes (e não só) têm à disposição quatro restaurantes, todos com propostas distintas. O restaurante do Paço, que antes do fecho para obras detinha uma estrela Michelin — perdeu-a por estar fechado mais de seis meses —, continua a oferecer experiências gastronómicas de fine dining criadas pelo chef Francisco Quintas, o mais jovem chef português a conquistar a ambicionada estrela.
Com uma playlist própria que acompanha a refeição, o espaço conta com duas ementas, de 13 a 15 momentos, e espera voltar a recuperar a estrela Michelin.
Já o chef italo-argentino Emiliano Savio está à frente do Canto Redondo, dedicado à “cozinha tradicional e de conforto”. Outro dos espaços gastronómicos do hotel é o À Margem, que além de oferecer uma carta ligeira, com snacks, oferece uma das vistas mais incríveis sobre a parte histórica de Amarante. É aqui que os hóspedes começam o dia, com o pequeno-almoço.
Do outro lado da rua nasceu o Ciao Tílias, que apesar de não fazer parte do edifício, também pertence ao grupo e vem oferecer aos hóspedes o melhor da culinária italiana, assim como cocktails de autor.
A grande novidade — e a que inspirou a intervenção a fundo — é o espaço dedicado ao bem-estar. Chamado Tempo, o spa de dois pisos que abriga mais de 500 metros quadrados dedicado aos cuidados do corpo e da mente, numa “atmosfera requintada e inspirada”.
Além da carta de terapias, ali os hóspedes podem relaxar na piscina interior aquecida, na fonte de gelo, banho turco, sauna e três salas de tratamento, uma delas mais vocacionada para casais. “Percorrer o espaço do Tempo já é uma viagem de fantasia, um portal de acesso a uma outra dimensão sensorial, onde param as obras e se prolongam os minutos”, descreve a unidade hoteleira.
Há ainda outras áreas comuns que se mantêm as mesmas, como a sala de eventos, conhecida como sala Jardim, com cerca de 400 metros quadrados, onde em tempos recebeu casamentos. Dentro da estrutura do hotel há outras duas salas que também podem vir a ser cenário de eventos, já que têm capacidade para receber 80 pessoas.
No exterior, destaca-se a piscina exterior e todo o jardim que os hóspedes podem explorar. Os passeios e as experiências vínicas, que terminam sempre com uma prova de vinho, são outras das atividades que se pode fazer na Casa da Calçada.
Desde a sua reabertura que o feedback tem sido “bastante positivo”, com pessoas curiosas e entusiasmadas a entrarem no edifício “só para ver como está”. Quanto aos preços da estadia, variam entre os 240€ e os 730€ por noite, dependendo da tipologia e da época do ano. As reservas podem ser feitas online.
Carregue na galeria para ver a renovada Casa da Calçada.