Não usa redes sociais, computadores e nem sequer gosta de televisão. Ainda assim, Lyubov Morekhodov não foi capaz de escapar à fama, quando um amigo seu a gravou a patinar sob o gelo do gigantesco lago Baikal, na Rússia.
O vídeo gravado em 2016 tornou-se viral e fez de Baba Lyuba — vovó Lyuba, como é conhecida — uma espécie de celebridade local. A localidade, nas margens do Baikal, fica no meio de nenhures, a mais de cinco mil quilómetros da capital russa Moscovo e a 700 da fronteira com a Mongólia.
Nos pés carrega uns patins com história, feitos pelo pai em 1943 e que ainda hoje servem para se deslocar para quase todo o lado, pelo menos enquanto as águas do Baikal permanecem geladas. Caminhar pela neve é, afirma, “muito mais difícil”.
Mesmo aos 80 anos, patinar é fácil. Aprendeu a fazê-lo quanto tinha sete. “O meu pai fez os patins a partir de uma serra de metal que depois prendeu em dois pedaços de madeira, que colou às valenki [botas tradicionais de pêlo]”, conta ao “The Siberian Times”.
O pai era guarda-florestal, enquanto a mãe ficava em casa a tomar conta de si e dos outros seis irmãos. Lyubov Morekhodov formou-se em engenharia e trabalhou durante 42 anos na cidade de Irkutsk, a poucos quilómetros de distância. Quando se reformou, regressou à casa de família com o marido, que acabaria por morrer em 2011. Vive sozinha desde então.
Os filhos pedem-lhe que se mude para a cidade, mas Baba Lyuba não quer. Prefere a companhia dos seus animais e do seu outro companheiro, o lago Baikal. “Sento-me sozinha na cozinha e olho para o lago. É o que me faz feliz, põe-me bem-disposta. Penso sempre que se alguém se sentasse ao meu lado, diria: ‘Que beleza incrível’.”
Ao contrário da maioria dos russos, Baba Lyuba não é religiosa. A sua religião é precisamente o Baikal. “[A religião] é um disparate. A igreja e tudo o que a rodeia, aqueles papas vestidos de ouro e prata, isso não é para mim”, diz à “Deutsche Welle”. “Algumas pessoas nunca estão contentes, acham que tudo é ruim, que precisam de muito dinheiro, de viver num palácio. Quatro paredes e um teto é tudo o que uma pessoa precisa. Vamos todos morrer, aqui ou num palácio.”
A rotina é quase sempre a mesma. Acorda cedo, às cinco da madrugada, alimenta as vacas e os cães e dá um salto à vila mais próxima. Nos pés leva sempre os seus patins, que não troca por nenhum modelo mais novo, apesar de já lhe terem oferecido alguns. “Não gosto dos patins modernos, abanam-me os tornozelos e fico com os pés gelados. As minhas valenki deixam me os pés sempre quentes”, nota. E frio por ali não falta. No inverno, com as temperaturas junto ao Baikal descem aos 30 graus negativos.
Se no verão, com temperaturas amenas, tem regularmente a companhia da família, no inverno a conversa é outra. E porque não é capaz de fazer tudo, conta com a ajuda dos vizinhos para tratar das tarefas mais árduas. A fama levou à chegada de dezenas de convites para ir à capital e aparecer em programas de televisão. Rejeita-os todos. “O que é que estas pessoas querem de mim? Estou aqui na minha vida, não me meto com ninguém. Não tenho tempo para isso. Nem sequer vejo televisão”, atira. “E quem é que ficava aqui a tomar conta dos meus animais? E se me perguntam alguma coisa e eu não sei responder?”
Quando não está à procura das suas vacas pelas margens do Baikal, refugia-se junto à lareira, onde aperfeiçoa outro talento — fazer crochê e macramé. Uma arte que há lhe valeu alguns prémios locais. A preocupação da família e de quem a visita não afeta Baba Lyuba, que não tem medo de viver sozinha num ambiente tão inóspito. “Não tenho medo nenhum. Nem sei do que havia ter medo. O único problema aqui são os turistas bêbados que vêm nas motas e que partem sempre alguma coisa. Já me mataram dois cães e viraram o meu barco ao contrário.”
No verão, a zona não é tão solitária. “Digo sempre aos turistas para apanharem o lixo, arrumarem tudo, porque acaba sempre tudo no Baikal.”