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Eu sou viúva de um maratonista. Com orgulho

Este texto é dedicado a elas, às mulheres dos maratonistas, aquelas que ao longo de tantos e tantos meses "seguram as pontas" da casa, da vida e da família para que possamos correr.

Li há algum tempo, já não me recordo onde, uma crónica de uma mulher que falava sobre como tinha perdido o marido desde que ele havia começado a correr provas de longa distância e como os treinos e as competições haviam contribuído para que ela se sentisse viúva.

Fiquei a pensar naquilo durante alguns dias. É impossível generalizar, e cada casal tem a sua dinâmica, mas na essência muito do que aquela mulher escreveu faz sentido, por isso dedico esta crónica a todas as mulheres que têm maridos corredores, aquelas que não correm na estrada, nem nos trilhos, mas que correm atrás dos filhos, que correm a todas as partidas para um beijo de boa sorte, a todas as metas para um abraço de parabéns, as corredoras passivas que se alimentam do prazer de ver os maridos felizes a fazerem uma coisa que os completa e que os torna em melhores pessoas.
Nesta coisa das dinâmicas de casal, faço parte do grupo de homens que conseguiram converter as mulheres. Casei-me com uma sedentária que não corria 100 metros por ninguém e que hoje está a preparar a participação na Maratona de Lisboa, em Outubro. Ao longo deste ano, aconteceu muitas vezes ser eu, o corredor de origem, a ficar em casa com a criançada para ela poder treinar ou participar em algumas corridas. O mais normal é mesmo dividirmos tarefas para que, à vez, um e o outro possam treinar ou correr.

Dedico esta crónica a todas as mulheres que têm maridos corredores, aquelas que não correm na estrada, nem nos trilhos, mas que correm atrás dos filhos, que correm a todas as partidas para um beijo de boa sorte

Sei também que na maioria dos casais não é isso que acontece. Ou corre um, ou corre o outro. Como é uma realidade que conheço mais, e como ainda há mais homens do que mulheres a correr, vou falar apenas do lado delas, das mulheres que não correm mas estão sempre lá para o que for preciso.

Muitas pessoas me perguntam qual é a sensação de correr uma maratona, de terminar uma maratona. A quase todas, digo que é uma coisa difícil de pôr em palavras, porque quase tudo o que se passa connosco, com o nosso corpo, o espírito, a mente, ao longo daqueles 42.195 metros é demasiado forte e intenso para se explicar. Este ano irei corri a minha sexta maratona de estrada (em Abril, em Madrid), e em todas elas me recordo de momentos de grande fragilidade emocional, em que quase chorei com coisas de nada, cartazes, mensagens, expressões de pessoas à beira da estrada. E é aí que tantas e tantas vezes encontro as tais viúvas dos maratonistas. Mulheres que ficam horas paradas à espera daqueles dez segundos em que o homem passa, e esperam apenas para um beijo à distância, um beijo soprado, para lhes mostrar um cartaz a dizer “Força”, “Amo-te muito” ou “És o meu herói”. Mesmo não sendo para mim, de cada vez que leio estas coisas sinto a pele eriçada, as lágrimas a subirem-me e qualquer coisa cá dentro mexe comigo e enche-me de orgulho de estar ali, entre o grupo dos heróis daquelas pessoas. Sei que aquelas mulheres tiveram de passar muitos meses sozinhas à espera que os treinos dos maridos acabassem, que tiveram de levar muitas vezes os miúdos à escola, tiveram de fazer muitos jantares, esperar muitas vezes à mesa que ele chegasse, porque naquela noite ele tinha de fazer um treino longo e às dez da noite ainda não tinha chegado a casa. Preparar uma maratona obriga o homem a isso, a essa dedicação, e obriga a mulher a isso, aos sacrifícios de passar muito tempo sozinha à espera, porque os treinos têm de se fazer.

Não acho que atrás de um grande homem haja sempre uma grande mulher — conheço grandes homens que são solteiros — mas sei que muitas e muitas vezes atrás de um maratonista tem sempre de haver uma mulher solidária, paciente e inspiradora.

Se muitas vezes os meus colegas maratonistas têm dificuldade em verbalizar este agradecimento, aqui fica ele, em formato de crónica. Na próxima maratona, correrei eu com um cartaz dedicado a todas vocês que nos olham da beira da estrada, com os miúdos ao colo: “És a minha heroína”, direi.

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