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“Amigos Improváveis”: As experiências sociais da SIC bateram no fundo

O humorista e cronista Miguel Lambertini analisa um dos mais recentes formatos do canal.
O programa tem uma versão diária durante a semana.

“Hoje em dia, muitos jovens têm dificuldade em alugar a própria casa. Por outro lado, as gerações mais velhas habitam casas com quartos vazios… O que aconteceria se se juntassem debaixo do mesmo teto?” Apesar de ninguém querer saber, a SIC achou que esta era uma das questões prementes a que valia a pena dar resposta, por isso lançou o novo formato “Amigos Improváveis”, emitido diariamente nas tardes do canal.  

Depois do sucesso de “Casados à Primeira Vista” e “Quem Quer Namorar com o Agricultor?”, o canal percebeu que o grande maná de audiências são as chamadas “experiências sociais”. Os velhinhos reality shows em que se fechavam dez grunhos numa casa são completamente anos 2000. Agora, o que as pessoas querem ver é como é que dez grunhos se comportam na vida real. O que é algo completamente diferente. Pensando bem, a premissa é semelhante à do “Casados à Primeira Vista”: vamos juntar duas pessoas diametralmente opostas e esperar que eles não se odeiem passado uma semana. “Olha, que estranho, eles querem afogar-se um ao outro na banheira, que chatice, parece que não funcionou a nossa experiência. Bem, vamos para a próxima, tragam lá o pitbull e o bebé que desta vez estou com uma fezada que vai correr bem”.

Ao contrário do filme com o mesmo título, em “Amigos Improváveis” da SIC não há jovens ex-presidiários de origem africana nem aristocratas de meia-idade. A produção ainda tentou contactar alguns, mas eles disseram que tinham medo de ir para uma casa com esse tipo de gente. Já os aristocratas não se importavam nada. O que há neste programa são nativos digitais da Geração Z e idosas com muito tempo livre, que abrem a porta de suas casas para receber estas criaturas que tiveram o desplante de nascer depois de 1995. Louvo a coragem destas senhoras, já que se percebe claramente que elas não sabem o que é o YouTube, porque bastava terem visto um dos dez vídeos do top de tendências para perceber que é uma má ideia conviver com adolescentes, quanto mais alojá-los na própria casa. 

No meu tempo, a minha avó tinha a preocupação de guardar as jóias num local recôndito quando saía de casa. Estas senhoras agora vão ter de fechar a sete chaves o armário dos produtos de limpeza, não vá um destes marmanjos lembrar-se de fazer um vídeo “bué viral” e meter no bucho um pacote de pastilhas para a máquina de lavar.  

O genérico e os grafismos que apresentam os participantes são todos modernaços, cheios de efeitos e cores, para dar a entender que este é um programa “prá frentex”, com um pormenor muito engraçado: ditaram às pessoas as frases que elas tinham de dizer para a câmara. Isto faz com que todos falem de forma sincopada e robótica, como se tivessem a-ca-ba-do-de-ter-um-a-v-c. 

Aqui ficam alguns dos momentos mais interessantes que pude observar num dos resumos semanais. 

Fernanda tem 67 anos e avisa: “O jovem que vier cá para casa não vai sair à noite. O marisco também não entra e não pode fumar.” Sair à noite e fumar ainda percebo, agora o marisco? Será que Fernanda tem medo que o jovem apareça lá em casa com um par de amêijoas pelos braços e aquilo descambe em caldeirada? Não faz sentido, mas, se for o caso, só tem de dizer que quem teve a ideia foi o mexilhão. 

A inquilina de Fernanda é a Ana, que, apesar dos seus 27 anos, tem um quarto cheio de peluches e posters do Justin Bieber. “O meu telemóvel é o meu pulmão, sem ele não consigo viver”, explica. Ficámos portanto a saber que a Ana, além de ter o síndrome de Peter Pan, tem parcos conhecimentos de anatomia, porque é perfeitamente possível viver sem um pulmão. Já sem um cérebro…  

“Eu se não soubesse a idade, dava-lhe uns 15, 16”, desabafa Fernanda, com cara de quem está prestes a arrepender-se por ter escolhido aquela candidata. 

Ana explica à sua “avó adotiva” que não sabe ligar um fogão a gás, porque “lá em casa é tudo elétrico e além disso mando vir comida pela Uber.” A D. Fernanda fica meio desconfiada, mas, desde que não entre marisco, tudo bem. 

João e Natália estão casados há 40 anos. Moram em Sacoias, Bragança, e na sua casa não há rede de telemóvel nem Internet. Ou seja, o pior pesadelo de Pedro, 20 anos, do Bairro Padre Cruz, em Lisboa. Pedro, ou Rayder (o seu nickname no YouTube, onde tem um canal), está muito cético sobre os ensinamentos que esta experiência lhe pode dar e explica porquê: “O que é que os cotas fazem? Jogam à sueca… eu já sei jogar sueca”. 

No primeiro jantar a três, na habitação do casal, Pedro fica a conhecer uma nova bebida, a xarabanada. Um nome engraçado que podia ser o título de um acampamento de verão do Bloco de Esquerda, mas que é na realidade um cocktail muito simples que passa por juntar vinho tinto e sumo de laranja com muito gelo. João explica que, como é a primeira noite, vai fazer uma xarabanada fraquinha. Ao ver que a bebida leva uma garrafa de vinho inteira, Pedro ironiza, “Bem, se isto é fraquinho…” Claro que é fraquinho, Pedro, em Bragança tudo o que não dê para usar como acendalha na lareira é uma bebida para meninos.

Silvina tem 73 anos, é de Coimbra e, a avaliar pela sua apresentação, fico com pena do jovem que teve o infortúnio de ir parar a esta casa. A senhora é perentória: “Aqui ninguém fuma, nem faz barulho. Telemóvel à mesa nem pensar. E não quero cá meninos com enfeitinhos no nariz, nem tatuagens, que não gosto nada disso.” A Silvina provavelmente foi a única que viu o top 10 dos vídeos do YouTube e já sabe o que é que a casa gasta. Mas a senhora teve sorte porque saiu-lhe na rifa o Diogo, um jovem cozinheiro de 21 anos, que na sua apresentação diz orgulhoso: “É pelo estômago que vou conquistar as velhotas”. Pronto, cada um tem a sua motivação. Há quem participe porque quer ter fama e sacar miúdas no Urban, o Diogo prefere ter fama para sacar as avós das miúdas do Urban.

“Sou bom no baile, não me importo de fazer companhia na hora da novela, vou fazer sucesso no meio mais velho”, acrescenta o cozinheiro. É talvez a frase de engate mais deprimente da história de um reality show, perdão, experiência social. 

Elizabete tem 67 anos e vive em Portimão. Considera-se uma pessoa simples e calma, e quanto a expetativas: “[Espero que o jovem] venha para as festas comigo e quem sabe me ajude a encontrar um namorado.” Olha, pode ser que tenha sorte e encontre o Pedro cozinheiro que é danado para um bom bailarico, o raio do conquistador de sorrisos Corega.   

Tatiana é a participante que vive com Elizabete, tem 20 anos e vem de Águeda. É guia de viagens e a coisa mais interessante que contou é que tomou banho numa bacia até aos oito anos. 

A Maria Lina tem 80 anos e é costureira em Gondomar. É dona do Fofinho e do Bolinhas, que apesar de terem nomes de jogadores do Canelas, são dois cãezinhos muito simpáticos, com para aí 300 anos cada um. Maria Lina anda na universidade sénior e está viúva há um ano, por isso quis receber em sua casa a jovem Ana Catarina, açoriana de 26 anos que é licenciada em Medicina.

“Queria perguntar uma coisa, tem Internet?”, questiona a jovem, meio a medo. “Eu ter tenho, mas parece que não está a funcionar, tenho de telefonar para me tratarem desse problema”, explica a D. Maria Lina. Tal e qual a minha pachorra para assistir a estes programas, eu ter tenho, mas parece que não está a funcionar…

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