Só os habitantes mais velhos de Olhão recordam que, em tempos, o Bairro da Cavalinha era a morada de uma fábrica de conservas de peixe. Onde agora existe uma casa contemporânea, em tempos, no início do século XX, encontravam-se ali cinco construções dedicadas à indústria conserveira.
Quando foram desafiados a projetar esta residência, os arquitetos Marlene Santos e Bruno Oliveira desconheciam esta origem. Decidiram investigar a história e descobriram que foi após o declínio deste setor, nos anos 70, que quatro dos edifícios originais foram demolidos e substituídos.
A estrutura que restou daquele conjunto, porém, revelou logo um enorme potencial. “Como não tinha a matiz de uma habitação, destacava-se por ter uma superfície maior do que o habitual. Era maior do que todas as casas que a cliente tinha visto”, começam por explicar à NiT.
Com base neste desafio, o projeto de reabilitação, do estúdio ODS Arquitectos, com sede em Loulé, foi selecionado como finalista na categoria de Arquitetura na 67.ª edição dos Prémios FAD 2025, entre um total de 196 submissões. É o único trabalho português entre os finalistas.
O pedido partiu de uma mulher britânica,que vive no Zimbabué “há muitos anos”. Através de uns amigos que tinha em Portugal, conta Bruno, já tinha visitado Olhão várias vezes e decidiu comprar uma residência na cidade. “Agradava-lhe o clima ameno e a relação forte entre interior e exterior.”
Antes da chegada dos arquitetos, o edifício estava ocupado por um restaurante, mas passou por vários usos ao longo dos anos. “Tinha dois pisos e estava muito compartimentado”, continua Bruno. “Tinha muitas paredes e não se percebia como era o espaço.”

Assim que delimitaram a obra, foi tomada “uma decisão muito óbvia”, que passava por recuperar ao máximo a construção original. Esta premissa levou à manutenção da fachada original, bem como da parede de alvenaria de pedra, em homenagem à memória das antigas fábricas em Olhão.
Como “o portão era muito grande”, Bruno e Marlene decidiram que era importante “criar um espaço de transição” que permitisse aos proprietários abrir a porta e entrar num ambiente doméstico.
Numa primeira fase, surge um pátio virado a sul que é “o grande organizador” deste projeto, permitindo à moradia ter a iluminação e a ventilação necessária. “Não está coberto, mas faz parte da distribuição”, garante Bruno, que acrescenta os 60 metros quadrados desta área aos 220 do interior.
Só depois é que acontece esta transição para as zonas fechadas, onde predominam materiais locais, sem acabamentos ou pinturas. “Embora o desenho seja muito contemporâneo, tentámos estabelecer este diálogo com as bases que tínhamos. Por vezes há continuidade, outras há rutura.”
No interior, a fábrica seguia um modelo italiano, “um país civilizado que trouxe o know how da indústria para Olhão”, explica. Interessados por aquelas paredes de pedra, decidiram inspirar-se na cor daquele cal ligeiramente amarelo, foi o mote para que lançou o mote para o revestimento interior das paredes.
O resto da organização partiu de um “programa livre”. A cliente sabia apenas que queria um quarto principal e uma zona comum ampla “para receber amigos sempre que quiserem visitar”. “Ela fica na casa durante curtos períodos de tempo, mas pensa mudar-se no futuro.”
O objetivo é que seja “uma casa elástica” com espaço para duas, quatro ou até seis pessoas, através de halls amplos, quartos com beliches e até um pequeno sofá na biblioteca. E, quando está cá, a proprietária aproveita para ter todas as portas abertas. “O limite entre o interior e exterior desaparece.”
Os arquitetos acreditam que cumpriram o objetivo, que era “encontrar este equilíbrio entre uma estrutura antiga e uma casa confortável”. Agora, acolhe uma dinâmica doméstica apesar do pé direito generoso — quase três metros — e “transporta no tempo através da arquitetura”.
“Juntou-se a uma sequência de utilizações sendo que acreditamos que, daqui a 40 anos, alguém poderá voltar a intervir novamente neste espaço”, conclui Bruno, que antes revela que a obra contou com um orçamento de cerca de 300 mil euros. O projeto demorou cerca de 16 meses para ficar concluído.
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