Até aos 28 anos, Nuno Miguel Ramos nunca tinha criado uma peça de roupa, nem imaginava que um dia o viesse a fazer. Foi preciso passar por várias cidades — como Zurique, na Suíça, ou Nova Iorque, nos EUA — para descobrir uma vocação que faz com que, mais de uma década depois, seja um designer de moda consagrado em Portugal.
Durante muitos anos, apenas entre os tecidos, linhas, agulhas e botões de um atelier no Porto, que em tempos pertenceu a Nuno Baltazar, que podíamos encontrar o criativo, atualmente com 40 anos. Acontece que, nesse período, já tinha outros planos em mente, para a marca que criou.
Um dos objetivos concretizou-se com a abertura da primeira loja homónima, na Foz do Douro, no Porto, a 8 de maio. Mais do que um ponto de venda, segundo o designer, trata-se de um projeto muito pessoal e artístico” onde “a moda, a arte e a colaboração se encontram”.
“Cheguei a um ponto em que precisava de mudar de ares. Nos últimos dois anos, nem tudo correu como planeado”, começa por explicar à NiT. Entre as complicações de saúde da mãe e alguns desfiles cancelados, “foi um tempo necessário de repouso e reflexão”, acrescenta. E, quando tudo começou a estabilizar, sentiu que estava na hora de avançar.
Esta inauguração assinala o início de uma nova fase para Nuno. Se até então as peças eram criadas, sobretudo, a pensar nas passarelas — com muito tule, lantejoulas e transparências —, as clientes podem conhecer agora um lado mais comercial e minimalista do designer.
Para abrir a loja, decidiu fazer uma coleção monocromática com cerca de 50 peças, que combinam com a decoração do espaço. A paleta neutra e os materiais, como a renda ou o cetim, refletem alguns dos cenários da Foz que inspiraram o criador, como as praias pelas quais se confessa um apaixonado.
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Apesar de sempre ter adorado esta parte da cidade, a morada não estava entre os seus planos principais. Até que, num dia de chuva, reparou que aquele edifício, por onde passava tantas vezes, estava para alugar. “O prédio da loja era o único sítio onde me podia abrigar. Quando chega uma senhora, fala-me do proprietário e diz que devia falar com ele. Três dias depois, estava a assinar um contrato.”
Aproveitando os tons monocromáticos da coleção, pensou numa decoração onde “fosse possível misturar tudo sem ter atenção à ordem”, explica. O interior reflete a estética deste novo momento criativo. “Tem de ser mais leve e feita a pensar nas mulheres que vejo no dia a dia.”
Nuno aposta em peças únicas feitas com tecidos em fim de stock de alta qualidade, sem produção em massa — o que está exposto é o que existe. Por isso, uma grande parte da linha, que nasceu “de forma muito intuitiva”, teve como inspiração os tecidos selecionados.
Um espaço para “várias artes”
O foco da loja serão sempre as peças do criador, mas a verdade é que não estará sozinho. Todos os meses, pretende lançar colaborações com outros designers e artistas com propostas que podem ir do vestuário à cerâmica, passando por perfumes, livros ou decoração.
“Vai haver uma mistura de várias artes”, reforça Nuno, ele próprio dedicado a outros ofícios. Há cerca de um ano, começou a dedicar-se à cerâmica e começou a fazer peças em forma de ovos estrelados que decide espalhar pelo chão. “Acho engraçada a reação das pessoas, porque não tem nada a ver com o resto. Mas é isso que quero, algo que chame à atenção — não tem de ter significado.”
A lógica aplica-se a todo o processo criativo do designer que, embora trabalhe no atelier de uma costureira, quer usar esta loja como um espaço de trabalho. “Tenho uma mesa enorme onde estou a trabalhar ao mesmo tempo, em termos de pesquisa, design, criação de moodboards ou escolha de tecidos.”
Ao mesmo tempo, pode receber clientes para pedidos de peças feitas à medida — incluindo criações mais arrojadas para festas ou eventos, até vestidos de noiva. “Se fizer sentido, pode acontecer uma coleção só com vestidos de noite ou nupciais.”
O plano passa por lançar peças novas de dois em dois meses e, pelo meio, algumas coleções cápsula com outros artistas.
Nuno já tem outros objetivos em mente. Apesar de ter escolhido esta localização, ponderou abrir a loja em Melides e é lá que pretende, a longo prazo, ter uma segunda morada. “Acredito que podemos meter a energia a trabalhar. Antes, vinha para a Foz correr, a fazer barulho com as chaves na mão, como se estivesse a chegar a casa. Podemos fazer acontecer.”
Como tudo começou
Nuno é o mais novo de 11 irmãos — sete raparigas e quatro rapazes — e foi o único filho que não nasceu em Angola. Nasceu, sim, em Oliveira de Azeméis, onde a mãe se estabeleceu quando regressou de África, e por lá ficou até 2003. Aos 18 anos decidiu que estava na hora de ir embora.
“Fui para a Suíça à procura de uma vida melhor. Não é que estivesse mal, mas precisava de me libertar, muito pela minha sexualidade”, revela. “Sentia que ali não podia, ou não queria, exprimir quem era. Na altura, não sabia o que existia no mundo, ainda tinha ainda explorado nada.”
Habituado a passar as férias de verão em Zurique, durante as quais trabalhava em oficinas, restaurantes e bares —, resolveu começar ali a construir a sua vida. Aos 24 anos, começou a trabalhar numa empresa farmacêutica e teve a oportunidade de voltar à escola, terminar o secundário e fazer um curso técnico.
Após uma rápida passagem por Nova Iorque, nos EUA, regressou à Suíça, onde foi incentivado a experimentar a área da maquilhagem. Concluído o curso, ornou-se o primeiro homem do país a trabalhar na MAC, a conhecida marca canadiana de cosméticos, e passou a trabalhar como make up artist em regime de freelancer.

Foi nas inúmeras sessões de produções de moda onde trabalhou que encontrou aquilo que procurava. “Pensei: espera aí, estou no caminho correto, mas ainda não estou a fazer o que quero.” Não demorou até que, aos 28 anos, estivesse inscrito numa escola de moda e partisse para Paris, em 2016.
Trabalhou para na Sonia Rykiel no último ano antes da marca falir, mas antes ainda passou pela marca de carteiras Caroline De Marchi. Mais tarde, juntou-se ao atelier de Sueo Irié, em tempos o braço direito de Kenzo. “Disse-me: ‘Nuno, tu tens que fazer alguma coisa. A tua cabeça tem muita fantasia!’” E assim fez.
Em 2020, no início da pandemia, decidiu regressar a Portugal e nos dois meses iniciais do confinamento criou a primeira coleção. Seis meses depois, após algumas trocas de e-mails e reuniões, estava a apresentá-la no Portugal Fashion, um dos maiores eventos de moda nacionais.
Passou a apostar em lantejoulas, transparências e muito tule. Ainda assim, frisa que gosta de pensar que não tem um estilo. “Depende do tempo, da semana, do coração, das pessoas que passam pelo meu caminho. Gosto de experimentar, não gosto de estar preso a um estilo e dizer que é isto que me define.”
Pode conhecer mais sobre o trabalho do designer através do site da marca homónima ou na página de Instagram. Os vestidos, sobretudos, casacos de alfaiataria, calças e vestidos de noiva que desenha custam, em média, entre os 300€ aos 1500€. Porém, há peças mais acessíveis.
Carregue na galeria para ver mais imagens da nova loja de Nuno Miguel Ramos.